domingo, 25 de março de 2012

CURSO DE CAIXEIRO

O INSTITUTO Nacional do Livro vai instituir curso para caixeiro de livraria, a partir de 4 de maio. E a iniciativa merece os chamados encômios.

Acho importante qualquer medida que procure mostrar o livro, seja a quem for. Muita gente tem de saber que não há nenhum mistério num simples volume e que o objeto em si, encadernado ou em brochura, não é tão desprezível como dizem os poderosos membros da Analfabrás, a gloriosa instituição do Grande Trianon, na Avenida Luís de Vasconcelos, 252, em pleno coração da cidade entre os jardins do Monroe e o Passeio Público.

O fato de, surpreendentemente, o livro estar sujeito a censura, por culpa exclusiva da bonita Leila Diniz, dá idéia de que nada existe sobre a terra tão perigoso como o amontoado de folhas de papel numeradas e encapadas, com um título e nome de um irresponsável no alto – um troço que só serve mesmo para alimentar traças, embora algumas pessoas o comprem a metro quando aconselhadas pelos arquitetos de interiores...

Ainda outro dia, um vizinho me disse, a propósito da mudança que fez da Tijuca para Copacabana:

– Meu filho não tem jeito. Gasta fortunas em livros, O caminhão do Gato Preto fez mais uma viagem para transportar a biblioteca dele. O livro é um trambolho, o senhor não acha?

– Acho.

Numa festa de caridade, a mocinha ganhou, no sorteio, os cinco volumes do Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, na excelente edição da Delta. E ouvi quando confessou à amiguinha que estava a seu lado:

– Que azar! Eu queria tanto o liquidificador!...

O noticiário da imprensa – por sinal, tão reduzido ultimamente – focaliza, nas questões nacionais, o Esquadrão da Morte, a seleção de formigas que nem são saúvas, os assaltantes de motoristas e outros latos que conseguem chegar às manchetes ou aos títulos gordos. No mesmo diapasão, por alguns dias, pouco depois da entrevista de Leila Diniz ao Pasquim, surgiram notícias sobre a censura de livro e foram focalizados Pontes de Miranda. Jorge Amado, Érico Veríssimo, Tristão de Ataíde, Carlos Drummond de Andrade, Marques Rebelo, Austregésilo de Ataíde, muitos outros, protestando todos contra o decreto que tomou o nome da bonita atriz de novelas. O cidadão verde e amarelo, sempre mal informado, acaba confundindo tudo e considerando o livro tão perigoso quanto os assaltos e o Esquadrão, ou tão fadado ao fracasso como o selecionado que ninguém acredita passe dos primeiros jogos, no México. E isso afasta ainda mais o cristão comum do livro. E aumenta, cada vez mais, o prestígio da Analfabrás...

Eis por que acho importante o curso para caixeiro de livraria. Aconselho até que pessoas não interessadas na profissão de vender volumes, porque têm outros ofícios mais rendosos como os de advogado, jornalista, médico, deputado (estadual ou federal), crítico literário, radialista, diretor de TV, senador, banqueiro e, principalmente, delegado de polícia arriscado a ser censor – aconselho até que pessoas não interessadas na profissão se inscrevam no curso e verifiquem que o livro não é nada do que dizem...

E seria ideal que o Instituto convidasse a bonita Leila Diniz para paraninfar a primeira turma de caixeiros diplomados...

TELHA SOLTA

• AURÉLIO – Acha-se internado no Hospital dos Servidores do Estado, onde se submeteu a uma intervenção cirúrgica, o escritor e professor Aurélio Buarque de Holanda. Foi noticiado que, em virtude de estar doente, o autor do Vocabulário Ortográfico Brasileiro deixou de votar na Academia Brasileira de Letras, para preenchimento da vaga deixada por Múcio Leão, na cadeira 20. Mas não houve bem isso. Os membros do Pequeno Trianon podem votar por correspondência. Apenas, Aurélio Buarque de Holanda se absteve de votar...

• KURI — Maria Beatriz F de Sousa se assina Kuri. Quando li os versos da jovem, ainda inéditos, há dois anos atrás, aconselhei que ela os publicasse. Kuri se animou e lançou, pela Pongetti, o Lugar Nenhum. Recebeu aplausos da crítica. Foi festejada. Obteve êxito. Deixou-me feliz. Agora, ela reaparece nas livrarias, através da mesma editora, com Poemancipação. Capa de Vitória Gondim, de 5 anos de idade. Claro que seus poemas, desta vez, são mais adultos, mais poemas, mais poemancipação mesmo. Não poderia ser de outra forma. E o fato mostra como foram acertadas as previsões Que todos fizemos do bom futuro que aguarda a jovem e talentosa poetisa que estará autografando o novo livro, no dia 7 de maio, a partir das 20 horas, na Eldorado, Avenida Copacabana, 1189.

ÁGUA-FURTADA

LANÇA a Editora Conquista a 2ª edição de Memórias do Café Nice (Subterrâneos da Música Popular e da Vida Boêmia do Rio de Janeiro). A nova edição já está sendo distribuída às livrarias e pode ser encontrada na Feira do Livro armada na Cinelândia. Ajudem o Iolando a comprar um sítio como o Rócio, em Petrópolis, com os direitos autorais...

(In Telhado de Vidro. Publicado no Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 1º de maio de 1970)