domingo, 29 de janeiro de 2012

TERRA DO “NÃO PODE”

Existe a Lei do Silêncio. Ele, porém, não conseguiu dormir. O morador do apartamento de cima completava cinqüenta anos e a sua vitrola fez “twist” até de manhã. A construção ao lado emendou o barulho, batendo estacas “Franklin”, as mais batidas desta freguesia.

Ao descer do elevador, outro vizinho puxava charuto chegado ao de Churchill, junto do aviso: “É proibido fumar”.

O chofer de táxi não pode recusar passageiro, mas o único do ponto, lhe disse:

– Para o Centro não vou, só se o senhor pagar a volta.

Os veículos coletivos são obrigados a encostar no meio-fio, mas o lotação, como sói acontecer, parou lá no meio da rua. Ele correu e pegou. Sentou-se ao lado de outro charuto, cujas cinzas vinham lembrar, em sua roupa, que não se pode fumar nos coletivos.

Além disso, o motorista era daltônico: passava por tudo que era sinal vermelho. Ao lado do daltônico, em pé, o sujeito baixinho contava, às gargalhadas, o último piquenique da Barra da Tijuca, onde uma Dona Xandoca quase se afogou, com seus 110 quilos. Dona Xandoca era nadadora de grande calado. E, bem na cabeça do narrador, o aviso: “É proibido falar ao motorista”.

Chegou à cidade mais cedo do que pensava. O lotação foi a oitenta ou a noventa. Lembrou-se de que os coletivos são obrigados a usar tacômetro, para que não passem de sessenta...

O café da esquina estava sendo lavado, no chão – porque botequim só lava mesmo o chão. O faxineiro puxava a água até a calçada, onde a espuma do sabão corria para a sarjeta. Por curiosidade, perguntou:

– Não é proibido molhar a calçada desse jeito? Alguém pode escorregar na espuma e cair.

– Seria um tombo gozado – respondeu, às gargalhadas, o faxineiro.

Bem, leitor, esse foi o começo de dia, ontem, deste Iolando, na terra do “não pode”, onde o proibido se faz e o obrigatório não é atendido. Quem começa o dia assim, sente a irresistível necessidade de sugerir determinação legal que faça as leis serem cumpridas: “É proibido cumprir a lei”...

UMAS & OUTRAS

SEMELHANÇAS – Dorival Caymmi comprou a cabeleira grisalha na mesma loja em que Sílvio Caldas comprou a dele (a do compositor Bororó é imitação). Silvinha Telles canta com a mesma boca de Aracy de Almeida. Um punhado de artistas usa, agora, o mesmo nariz, tirado da forma do Dr. Ivo Pitangui: Marlene, Neusa Maria, Dóris Monteiro, Vera Lúcia, Heleninha Costa, Mariza Barroso, Renata Fronzi, a garota-propaganda Ana Maria, a cômica Zezé Macedo, o produtor Wilton Franco, o figurinista Sorensen, e o cronista de rádio José Fernandes. Somente a locutora Marize, depois da plástica, ficou diferente. Seu nariz saiu igual ao do sambista Gasolina...
AMANDO – O deputado Amando da Fonseca vai renunciar. Absolutamente certo: não tomará posse. Em agosto, concedeu entrevista ao programa “A Cidade Pergunta”, da TV-Continental, declarando que não aceitaria o mandato se obtivesse menos de 20 mil votos ou se o jornalista Ib Teixeira conseguisse a metade de sua votação. Até o 8º Boletim do TRE, faltando apenas 100 urnas, Amando da Fonseca está com 5.840 votos e Ib Teixeira com 6.684. A entrevista foi gravada em “vídeo-tape” e a TV-Continental deverá passá-la a qualquer instante, para ativar a memória do deputado.
LIVROS – As edições que mais se vendem são as de obras técnicas, científicas, didáticas, trabalhos de consultas, dicionários. Mas nos levantamentos e pesquisas publicadas não aparece um só livro de Antenor Nascentes, Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira e outros, cujos trabalhos vão sempre além de 100 mil exemplares e se esgotam…
“AMÉRICO” – Há, também, a história de “Américo – Este Mundo e o Outro”. Esplêndido romance de Milton Pedrosa, editado pela Civilização Brasileira. O enredo nasceu de uma narrativa de chofer de táxi, que é espírita. O autor, agora, tem sido homenageado por tudo que é umbandista do Rio. E deverá receber diploma de médium honorário.
PRISÃO – Diz o parágrafo 20, do art. 141, da Constituição: “Ninguém será preso senão em flagrante delito”. Entretanto, uma usina de São Cristóvão demitiu José Rodrigues de Oliveira e não quis pagar indenização. Quando a vítima foi cobrar, um dos diretores da usina telefonou para o 17º DP. O Comissário de dia mandou prender e espancar José, sem culpa formada, sem flagrante delito. Somente depois que o sindicato interveio, o operário foi posto em liberdade. Quem vai responder por isso? Eis uma pergunta ao Curador Newton Marques Cruz, chefe de Polícia...

(In Telhado de Vidro. Publicado no Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 17 de novembro de 1962)