terça-feira, 7 de abril de 2015

LUÍS VIANA

Mensageiro fardado inumou, aporta de casa, o Luís Viana:
– O senhor deverá comparecer, amanhã, às 14 horas, para depor no IPM da Caixa Econômica.
– Sim, senhor.
Sem saber a que atribuir a intimação, pois jamais tivera qualquer espécie de negócio com aquela repartição, Luís Viana ficou apavorado. Sua esposa, cardíaca, teve de recorrer às pílulas.
No dia seguinte, Luís Viana chegou, à hora marcada, ao local indicado pelo mensageiro. Foi conduzido a uma sala na qual já se encontravam outros cavalheiros. De quando em vez, a porta se abria e novos senhores eram ali introduzidos. A sala já estava abarrotada. Mesmo assim, alguns dos detidos se puseram a conversar:
– Conheço o senhor não sei de onde.
– Meu nome é Luís Viana.
– O meu também.
Um terceiro:
– Que coincidência!  Também me chamo Luís Viana...
O cavalheiro gordo, de óculos, que se achava à janela, ouviu o próprio nome e atendeu:
– Os senhores me chamaram?
– Não. Por quê?
– Ouvi falarem em Luís Viana. Eu sou Luís Viana.
– Nós também o somos. Um gaiato gritou:
– Quem se chama Luís Viana, aqui na sala? Todos responderam a um só tempo, levantando o braço direito:
– Eeeeuuu!!!...
Tinham o mesmo nome os que se achavam à disposição do IPM da Caixa Econômica. Só não estava presente o filho do Conselheiro Luís Viana, bacharel em Direito, ocupante da Cadeira 22 da Academia Brasileira de Letras, biógrafo de Rui Barbosa e de Joaquim Nabuco, nascido em Paris mas considerado baiano. Chefe da Casa Civil da Presidência da República, este Luís Viana vivia muito ocupado, em Brasília...
Uns eram Luís com s; outros, com z. Uns, Viana com um n só; outros, com nn. Apenas se diferençava o louro, alto, que fumava cachimbo. Porque nascera em Paris, mas não se dizia baiano. Chamava-se Louis Vianney...
De repente, um dos oficiais encarregados de apurar irregularidades surgiu à porta e chamou:
– Luís Viana!
Todos atenderam:
– Preseeenteee!!!...
Já passava das 15 horas. Estavam aflitos. Tinham pressa em ser atendidos, principalmente para saber que diabo de idéia fora aquela de reunirem, numa sala, os Luís Viana encontrados pela cidade. O oficial ordenou:
– Quem se chamar Luís Viana entre em fila atrás de mim.
Obedeceram.
– Coluna por um, marche!
Marcharam.
Na sala contígua:
– Alto!
Pararam.
– Direita, volver!
Só um canhoto virou para a esquerda, mas se corrigiu a tempo...
Souberam, então, de que se tratava. Uma testemunha teria de identificar, entre os intimados, o Luís Viana que andara envolvido com negócios na Caixa Econômica. E, para descobrir o procurado, o encarregado do IPM mandou catar na lista telefônica todos os Luís Viana da cidade – isto é: os que possuíam telefone...
A testemunha examinou um por um. Não reconheceu, em qualquer deles, o implicado. Em conseqüência, os Luís Viana inocentes foram dispensados. Saíram em grupo. Na rua, abraçaram-se, felizes:
– Prazer em conhecê-lo. Luís Viana, às suas ordens.
– Também fico às suas ordens. Meu nome é Luís Viana.
O gaiato teve uma idéia:
– Que tal formarmos o Clube dos Luís Viana do Rio de Janeiro?
– Boa, aprovaram alguns.
O gordo, de óculos, foi, entretanto, mais ponderado:
– Tirem isso da cabeça. Vão chamar-nos de subversivos.
– É, concordaram.
Mesmo assim, o café da esquina da Avenida 13 de Maio com o Tabuleiro da Baiana viveu, naquela tarde, instante histórico: serviu, mais ou menos, vinte cafezinhos a vinte cidadãos chamados Luís Viana.
A esta altura dos acontecimentos, talvez até o próprio encarregado do IPM da Caixa Econômica queira saber como foi que o fato chegou ao meu conhecimento. Mas é fácil de responder.
Quem me contou tudo com detalhes foi o Luís Viana...

(Telhado de Vidro, volume I; Editora Bradil, Rio de Janeiro, 1967)

quarta-feira, 1 de abril de 2015

E O AMARELO?

Lembro-me do curso primário, no Grupo Amauri de Medeiros, no Recife. Cantávamos o Hino Nacional, o da Bandeira, o da Independência e o de Pernambuco, antes, durante e depois das aulas. E a professora repetia sempre:
– O Brasil é um país muito rico.
Com freqüência, mostrava os símbolos do Pavilhão Nacional que José Bonifácio desenhara:
– O amarelo representa o ouro do Brasil.
Nas lições de História, ouvíamos fatos espantosos sobre a cobiça dos piratas franceses e dos hereges flamengos, que fizeram incursões violentas em nosso chão, todos de olho na fabulosa fortuna do Brasil. E, não raro, a mestra citava igrejas construídas em Portugal com o ouro levado daqui, e aludia à escravidão dos índios e dos negros.
Quando um estudante sai do primário, penetra no ginasial, e, apesar de passar por um mundo de matérias que não interessam, chega à Faculdade. Então, os professores começam a ensinar, precisamente, o contrário:
– O Brasil é um país subdesenvolvido.
Os noticiários confirmam isso, com o tempo. Os governos se sucedem, alguns emitindo a torto e a direito, muitos a realizar empréstimos no estrangeiro. Ministros viajam, todos os dias, à cata de investidores. Chegam esmolas da Aliança Para o Progresso. Imposições do Fundo Monetário Internacional. Adquirimos concessionárias estrangeiras, e, depois, as entregamos aos antigos donos, para que estes continuem a explorá-las, a nos explorar. Contratos garantem que empresas norte-americanas não sofrerão, jamais, prejuízos aqui, pois nosso ouro cobrirá quaisquer danos, pelo acordo firmado pelo Embaixador Juraci Magalhães, embora as empresas brasileiras possam pedir concordatas e ir à falência. Surgem os pregoeiros que divulgam a péssima qualidade da indústria nacional, para que a financiada por outros países comande nossa produção e nosso mercado interno. O Sr. Otávio Gouvêa de Bulhões, que considerou crime de lesa-pátria a Lei de Remessa de Lucros, foi contemplado com o cargo de Ministro da Fazenda. E quem protestar não receberá o justo valor de patriota; será chamado de comunista, de subversivo...
Gostaria, agora, de reencontrar a professora do Grupo Escolar Amauri de Medeiros. Seria divertido ver sua cara, quando lhe perguntasse:
– Professora, que quer dizer mesmo o amarelo da bandeira?...

(Telhado de Vidro, volume I; Editora Bradil, Rio de Janeiro, 1967)


1° DE ABRIL

Abril (do latim aprilis, aperire, abril) começava o ano. Era o segundo mês de Rômulo. Os gregos o colocaram sob a proteção de Apolo, enquanto os romanos o consagraram a Vênus. Em fins do século XVI, abril deixou de abrir. Em 1564, Carlos IX, da Franca, filho de Catarina de Medicis, determinou que o ano se iniciasse a 19 de janeiro. Surgiu daí o hábito de se armarem pilhérias a 1º de abril...
Os franceses, que chamam a data de Poissons d’avril, passaram a enviar felicitações, presentes irrisórios e notícias falsas aos que se não conformavam com a inovação. E o 1º de abril, por isso, ficou dedicado à mentira...
Houve farsas que se tornaram célebres. Mistificadores ganharam fama, como Alphonse Aliais, Vivier e Monnier, o autor das Memórias de Joseph Prudhomme. E esse costume de mentir no 1º de abril veio parar no Brasil...
No começo da República, O Fígaro, jornal de Medeiros e Albuquerque, defendia acaloradamente o novo regime. A 19 de abril de 1890, quando mais fervilhavam os boatos de volta ao antigo sistema de governo, e quando mais os oposicionistas combatiam o Marechal Deodoro (o 1º marechal que ocupou a Presidência nossa de cada dia), aquela publicação estampou notícia pormenorizada sobre a restauração da Monarquia, com inúmeros comentários jocosos a propósito dos políticos do Império. Muita gente acreditou. E até um delegado de polícia de pequena cidade mineira, que aderira à República, hasteou a bandeira do antigo regime na fachada de sua casa. Ah, certos mineiros!...
Enfim, a 1º de abril de 1964, houve uma revolução para salvar o Brasil...

(in Telhado de Vidro, volume I; Editora Bradil, Rio de Janeiro, 1967)