quarta-feira, 12 de agosto de 2015

FAMÍLIA

Algum autor, imaginoso e ignorado, já criou estória semelhante, publicada em vários almanaques de propaganda de produtos farmacêuticos. Mas a verdade é que este caso aconteceu, no Rio, tal qual for idealizado. E os personagens são, por conseguinte, da vida real.
Dona Maria José Matos, de 39 anos, residente na Rua Mário Carpenter, 194, no Engenho de Dentro, casou-se, de livre arbítrio, sem incomodar padre nem juiz, com Benedito Pedro Faria, que reside, agora, na Rua Oliveira de Andrade, 195, naquele mesmo subúrbio da Central. Embora 17 anos mais velho que ela, Benedito – ou Bené, como é mais conhecido – viveu 18 janeiros com dona Maria. Depois, deu no pé. E a mulher ficou com seis filhos ao desamparo.
Quando se uniram, Bené estava viúvo e tinha dois rebentos da primeira esposa. Um deles era o Benezinho – Benedito Faria Filho, de 28 anos. Ao ver a madrasta abandonada e os irmãos passando necessidade, Benezinho, que sempre desejou constituir um lar e ter mulher, não vacilou em ser rival do próprio pai...
Casou-se com a madrasta.
Passou a ser padrasto dos irmãos, enteado e marido de dona Maria, enquanto esta, madrasta e esposa de Benezinho, virou nora e ex-mulher do velho Bené, além de cunhada do outro enteado.
Uma vez casada com o irmão de seus seis filhos, ela transformou os meninos em cunhadinhos muito queridos, e, por sua vez, o velho Bené, tendo o filho como padrasto dos seis pimpolhos, tomou posição um tanto extravagante de avô dos próprios filhos. E sua ex-mulher, automaticamente, passou também a ser avó dos pequenos.
Os garotos não sabem se chamam o padrasto de maninho ou de papai. Ignoram se devem chamar o velho Bené de papai ou de vovô. Também ficam em dúvida diante de dona Maria: mamãe, cunhada ou vovó? E o irmão do padrasto é titio ou mano?
Benezinho acha-se doente, sem poder sustentar a família da Rua Mário Carpenter. O velho Bené, que é rico, deverá comparecer com uma mesada, para que não morram de fome a ex-mulher e nora, madrasta e esposa de seu filho mais velho, nem o próprio filho e rival, segundo marido de sua antiga companheira. E, ainda, para que não passem privações seus filhos-netos, enteados e irmãos de seu principal herdeiro, irmãos e sobrinhos de seu segundo herdeiro, além de filhos, cunhados e netos de sua ex-mulher e nora.
Como se não bastasse, vem mais um por aí.
Dona Maria, que apesar de tudo, é feliz com Benezinho, receberá a visita da cegonha, o que era de se esperar, pois, como ficou dito, o nome do marido é Faria Filho, e, por conseguinte, a cegonha teria de comparecer...
O novo membro da família será neto do velho Bené, porque nasceu de seu filho, e, ao mesmo tempo, enteado, porque nasceu de sua ex-cara-metade. Os filhos do velho são igualmente, seus netos. Como os irmãos de Benezinho são netos do Bené, claro que o Benezinho também tem o direito de chamar o pai de vovô. E, em conseqüência, um filho do neto do velho sairá seu bisneto.
Na situação de sobrinho da meia-dúzia de irmãos do pai, o menino ganhará, da mesma forma, o parentesco de irmão dos seis tios, pois todos são filhos da mesma mãe. E, sendo irmão dos irmãos de Benezinho, o filho deste será seu irmão também, e, nesta qualidade, passará, ao mesmo tempo, a tio dos seis enteados do marido de dona Maria.
Claro que a mulher se sentirá muito contente de ganhar seu sétimo filho, irmão de seu esposo, neto e bisneto de seu ex-companheiro. Funcionará com extremada mãe e cunhada do caçula, assim como avó dedicada (porque ele será neto de seu ex-marido), e, do mesmo jeito, carinhosa bisavó do próprio filho.
Tendo passado a padrasto dos irmãos, Benezinho não conseguiu fugir a um fim estranho: é o marido da mãe de seus irmãos. Nesta condição, assumiu a paternidade deles. Ficou, então, como neto do próprio pai, porque os meninos são netos do Bené. Desta arte, seus filhos viraram seus irmãos.
E ele acabou pai de si mesmo...

 (in Telhado de Vidro – Volume I. Bradil, Rio de Janeiro, 1967. Publicado originalmente com o título Família Feliz; in “Telhado de Vidro”; Diário de Notícias,  30/07/1963)