Algum autor, imaginoso e
ignorado, já criou estória semelhante, publicada em vários almanaques de
propaganda de produtos farmacêuticos. Mas a verdade é que este caso aconteceu,
no Rio, tal qual for idealizado. E os personagens são, por conseguinte, da vida
real.
Dona Maria José Matos, de 39
anos, residente na Rua Mário Carpenter, 194, no Engenho de Dentro, casou-se, de
livre arbítrio, sem incomodar padre nem juiz, com Benedito Pedro Faria, que
reside, agora, na Rua Oliveira de Andrade, 195, naquele mesmo subúrbio da
Central. Embora 17 anos mais velho que ela, Benedito – ou Bené, como é mais
conhecido – viveu 18 janeiros com dona Maria. Depois, deu no pé. E a mulher
ficou com seis filhos ao desamparo.
Quando se uniram, Bené estava
viúvo e tinha dois rebentos da primeira esposa. Um deles era o Benezinho – Benedito
Faria Filho, de 28 anos. Ao ver a madrasta abandonada e os irmãos passando
necessidade, Benezinho, que sempre desejou constituir um lar e ter mulher, não
vacilou em ser rival do próprio pai...
Casou-se com a madrasta.
Passou a ser padrasto dos
irmãos, enteado e marido de dona Maria, enquanto esta, madrasta e esposa de
Benezinho, virou nora e ex-mulher do velho Bené, além de cunhada do outro
enteado.
Uma vez casada com o irmão de
seus seis filhos, ela transformou os meninos em cunhadinhos muito queridos, e,
por sua vez, o velho Bené, tendo o filho como padrasto dos seis pimpolhos,
tomou posição um tanto extravagante de avô dos próprios filhos. E sua
ex-mulher, automaticamente, passou também a ser avó dos pequenos.
Os garotos não sabem se chamam
o padrasto de maninho ou de papai. Ignoram se devem chamar o velho Bené de papai
ou de vovô. Também ficam em dúvida diante de dona Maria: mamãe, cunhada
ou vovó? E o irmão do padrasto é titio ou mano?
Benezinho acha-se doente, sem
poder sustentar a família da Rua Mário Carpenter. O velho Bené, que é rico,
deverá comparecer com uma mesada, para que não morram de fome a ex-mulher e
nora, madrasta e esposa de seu filho mais velho, nem o próprio filho e rival,
segundo marido de sua antiga companheira. E, ainda, para que não passem
privações seus filhos-netos, enteados e irmãos de seu principal herdeiro,
irmãos e sobrinhos de seu segundo herdeiro, além de filhos, cunhados e netos de
sua ex-mulher e nora.
Como se não bastasse, vem mais
um por aí.
Dona Maria, que apesar de tudo,
é feliz com Benezinho, receberá a visita da cegonha, o que era de se esperar,
pois, como ficou dito, o nome do marido é Faria Filho, e, por conseguinte, a
cegonha teria de comparecer...
O novo membro da família será
neto do velho Bené, porque nasceu de seu filho, e, ao mesmo tempo, enteado,
porque nasceu de sua ex-cara-metade. Os filhos do velho são igualmente, seus
netos. Como os irmãos de Benezinho são netos do Bené, claro que o Benezinho
também tem o direito de chamar o pai de vovô. E, em conseqüência, um filho do
neto do velho sairá seu bisneto.
Na situação de sobrinho da
meia-dúzia de irmãos do pai, o menino ganhará, da mesma forma, o parentesco de
irmão dos seis tios, pois todos são filhos da mesma mãe. E, sendo irmão dos
irmãos de Benezinho, o filho deste será seu irmão também, e, nesta qualidade,
passará, ao mesmo tempo, a tio dos seis enteados do marido de dona Maria.
Claro que a mulher se sentirá
muito contente de ganhar seu sétimo filho, irmão de seu esposo, neto e bisneto
de seu ex-companheiro. Funcionará com extremada mãe e cunhada do caçula, assim
como avó dedicada (porque ele será neto de seu ex-marido), e, do mesmo jeito,
carinhosa bisavó do próprio filho.
Tendo passado a padrasto dos
irmãos, Benezinho não conseguiu fugir a um fim estranho: é o marido da mãe de
seus irmãos. Nesta condição, assumiu a paternidade deles. Ficou, então, como
neto do próprio pai, porque os meninos são netos do Bené. Desta arte, seus
filhos viraram seus irmãos.
E ele acabou pai de si mesmo...
(in Telhado de Vidro – Volume I. Bradil, Rio de Janeiro, 1967. Publicado originalmente com o título Família
Feliz; in “Telhado de Vidro”; Diário de Notícias, 30/07/1963)