segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

AMIGOS

ENEIDA me diz que amigo é aquele que avisa quando a gente está com mau hálito. De minha parte, embora aceite essa definição, tenho outra: amigo é o que perdoa os defeitos da gente. Quem não perdoa defeitos é inimigo...
Xandu, latinista primeiro e último de Vitória de Santo Antão, dizia sempre:
Amicus certus in re incerta cérnitur.
Dizia e provava:
– “O amigo verdadeiro se conhece na ocasião incerta.”
Amigo é o que vai consultar-se com o outro, quando o outro é médico, e paga a consulta. É o que constitui o advogado e paga os honorários. É o que apanha algum dinheiro emprestado e paga. É o que vai à livraria, compra o livro da gente e traz (ou não traz) o volume, pedindo:
– Pode me dar seu autógrafo?
Porque o médico vive das consultas O advogado das causas. Quem faz livro talvez seja porque não saiba dar consultas ou advogar; talvez seja porque não saiba fazer mais nada. Em conseqüência, mantém-se graças aos livros. Em outras palavras: é o abnegado que tem a coragem de viver de livros num país em que se ler tão pouco...
Mas nem todos os amigos entendem isso. E o médico ao qual o sujeito que escreve paga consultas exige:
– Estou esperando que você me dê o seu livro.
Também o advogado que cobra honorários:
– Quando é que você vai me oferecer seu último livro?
Há três maneiras bem usuais de pedirem os volumes que escrevemos para viver. Uma delas é a pergunta:
– Onde está à venda seu livro?
Respondo sempre:
– Em qualquer açougue ou padaria...
Outra:
– Estou louco para ler seu último trabalho.
E a terceira:
– Se eu comprar seu livro, você o autografa?
Nenhum dos que pedem se lembra de que as editoras organizadas cumprem seu contrato com o autor. Pagam os direitos autorais e lhe dão vinte volumes. O autor assina os exemplares que vão para os críticos e noticiaristas, e, depois disso, qualquer outro que deseje será abatido em sua conta. Imaginai, pois, este filho humilde de Vitória de Santo Antão a distribuir qualquer edição inicial de cinco mil exemplares com os amigos que perguntam:
– Onde está à venda seu livro?
Ou:
– Estou louco para ler seu último trabalho.
Ou, ainda:
– Se eu comprar seu livro, você o autografa?
Terá de pagar três ou quatro edições ao editor. E ainda deixará os verdadeiros amigos, aqueles que dizem quando a gente está com mau hálito, aqueles que perdoam os defeitos da gente – e ainda deixará os verdadeiros amigos sem encontrar os livros para comprar.

TELHAS-VÃS

·      POEMAS – Os amigos de Santos Morais devem comprar seus Poemas do Hóspede. É o poeta de A Nuvem de Fogo e Tempo e Espuma. O romancista de Menino João e Os Filhos do Asfalto. O contista de O Caçador de Borboleta. O teatrólogo de Rei Zumbi e A Terra Sangra. O ensaísta de Dois Cientistas (Rocha Lima e Gaspar Viana). Antônio Santos Morais, baiano de Casa Nova, é detentor de vários prêmios: o de romance do Instituto Nacional do Livro, o Afonso Arinos da Academia Brasileira de Letras e o de teatro também da Academia Insisto: seus amigos devem comprar Poemas do Hóspede, coletânea recém-saída pela Editora Luan.

·      CRÔNICAS – A Editora Sabiá acaba de lançar a 4ª edição de A Borboleta Amarela e a 5ª edição de Ai de ti, Copacabana!, dois volumes de crônicas de Rubem Braga. Chegam-me os exemplares com o amabilíssimo cartão do Braga: “Você já deve ter esses livros, por isso mando só autografados e você poderá dar a alguém de presente de Natal”. Passou o Natal e não dei os livros do Braga a ninguém. Não tiro de seus amigos o direito e a alegria de comprá-los. Não digo que Rubem Braga é o nosso maior cronista, porque odeio essa coisa de “o melhor” ou e “o maior”. Digo, todavia, sem medo de errar, que qualquer cronista tem de rebolar muito para equiparar-se ao Braga. Logo, comprar seus livros não é favor; é uma obrigação até dos que, porventura, não sejam seus amigos... (E outra coisa, meu Braga: fui às livrarias, comprei livros seus e os dei de presente, pelo Natal, porque, no Natal, não dou gravatas de borboletas nem vidrinhos de perfume; dou bons livros!)

ÁGUA-FURTADA

POR FALAR em bons livros e na editora Sabiá, Fernando Sabino, outro cronista que não deve ser classificado como “o melhor” ou “o maior”, porque isso é propaganda de gasolina, lança a 5ª edição da Medo em Nova Iorque – a Cidade Vazia. Isso mostra que seus amigos compraram seus livros, no que fizeram muito bem. E mostra que outros amigos devem fazer o mesmo antes que a 5ª se esgote e tenham de esperar pela 6ª, o que acontecerá, fatalmente. E GABRIEL Garcia Marquez, como sabeis, é o autor de Cem Anos de Solidão, dos melhores romances saídos, nos últimos anos, em todo o mundo. E, agora, a Sabiá lança a novela Ninguém Escreve ao Coronel, do notável colombiano. Tradução de Virgínia Wey. Capa e desenhos de Carybé.

(In Telhado de Vidro. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 14 de janeiro de 1970)

Alex Viany, Eneida e Nestor de Holanda (Rio de Janeiro, 1961)
(Obs.: Foto tirada durante o Programa de Haroldo Costa na TV-Continental)