segunda-feira, 25 de novembro de 2019

O URUBU DO FLAMENGO

NÃO se descobriu como o torcedor conseguiu pegar um urubu, embora se saiba que a Avenida Brasil seja a artéria mais habitada pela família dos Catártidas. Muito menos se verificou, como foi possível amarrar a bandeira do Flamengo, no potente rapinador. E mais curioso ainda foi o cidadão rubro-negro passar pelas catracas do Maracanã, transportando o urubu e a bandeira.


São coisas que só no Brasil – mais precisamente, no Rio de Janeiro – acontecem.
Em conseqüência, o Flamengo, de Tim, beliscou o Botafogo, de Zagalo. A alegria da vitória contagiou todo mundo. A cidade em peso festejou o acontecimento, e o urubu, que era, até então, símbolo do azar, da falta de sorte, igualou-se à ferradura, aos bentinhos, à todos os talismãs. Será, doravante, o amuleto de meus correligionários, dos integrantes da imensa legião à que os magoados chamam de “rubro-negrada”...
A superstição não é apanágio da ignorância. Eça de Queiroz tinha aversão ao próprio nome e só entrava em casa com o pé direito, celebridades as mais diversas, foram supersticiosas. O inglês e lorde Francis Bacon, que fez o Novum Organum, afirmou que “há superstição no fugir à superstição”. Portanto, morrem os argumentos que vêm sendo usados contra a “rubro-negrada”. E a alvinegrada pode sair declamando o verso de Augusto dos Anjos: “Ah! Um urubu pousou na minha sorte!”, do soneto Budismo Moderno (Eu e Outras Poesias).
O urubu foi encontrado morto, no fundo do fosso do Maracanã, no dia seguinte. Os torcedores do Flamengo, porem, não lamentaram o fato. Estão prometendo um por jogo, para ajudar o Ministério da Agricultura a limpar a Avenida Brasil (?)...
Tenho para mim que já houve lei considerando o boto, tido como salvador de afogados, e o urubu, que limpa a cidade (garis aéreos), de utilidade pública. Além disso, a Lei das Contravenções Penais pune, com o dobro da pena de prisão simples, de dez dias a um mês, ou multa, quem tratar animal com crueldade, em exibição ou espetáculo público (Artigo 64, § 2º). Logo, os que se propõem a ajudar o Ministério que quer limpar a Avenida Brasil, podem muito bem ser apanhados pelo delegado José Gomes Sobrinho, no Maracanã, embora a multa seja de cem a quinhentos cruzeiros velhos, mais barata que os ingressos para as gerais do estádio de Abelard França...
Mas é facílimo evitar tudo isso. Basta que as chamadas autoridades competentes tirem a carniça da Avenida Brasil e de outros pontos da Cidade Maravilhosa...
Será a sorte dos urubus!...

(In Telhado de Vidro. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 8 de junho de 1969)