NÃO se descobriu como o
torcedor conseguiu pegar um urubu, embora se saiba que a Avenida Brasil seja a
artéria mais habitada pela família dos Catártidas. Muito menos se verificou,
como foi possível amarrar a bandeira do Flamengo, no potente rapinador. E mais
curioso ainda foi o cidadão rubro-negro passar pelas catracas do Maracanã,
transportando o urubu e a bandeira.
São coisas que só no Brasil –
mais precisamente, no Rio de Janeiro – acontecem.
Em conseqüência, o Flamengo,
de Tim, beliscou o Botafogo, de Zagalo. A alegria da vitória contagiou todo
mundo. A cidade em peso festejou o acontecimento, e o urubu, que era, até
então, símbolo do azar, da falta de sorte, igualou-se à ferradura, aos
bentinhos, à todos os talismãs. Será, doravante, o amuleto de meus
correligionários, dos integrantes da imensa legião à que os magoados chamam de “rubro-negrada”...
A superstição não é apanágio
da ignorância. Eça de Queiroz tinha aversão ao próprio nome e só entrava em
casa com o pé direito, celebridades as mais diversas, foram supersticiosas. O
inglês e lorde Francis Bacon, que fez o Novum
Organum, afirmou que “há superstição no fugir à superstição”. Portanto,
morrem os argumentos que vêm sendo usados contra a “rubro-negrada”. E a
alvinegrada pode sair declamando o verso de Augusto dos Anjos: “Ah! Um urubu
pousou na minha sorte!”, do soneto Budismo
Moderno (Eu e Outras Poesias).
O urubu foi encontrado morto,
no fundo do fosso do Maracanã, no dia seguinte. Os torcedores do Flamengo,
porem, não lamentaram o fato. Estão prometendo um por jogo, para ajudar o
Ministério da Agricultura a limpar a Avenida Brasil (?)...
Tenho para mim que já houve
lei considerando o boto, tido como salvador de afogados, e o urubu, que limpa a
cidade (garis aéreos), de utilidade pública. Além disso, a Lei das
Contravenções Penais pune, com o dobro da pena de prisão simples, de dez dias a
um mês, ou multa, quem tratar animal com crueldade, em exibição ou espetáculo
público (Artigo 64, § 2º). Logo, os que se propõem a ajudar o Ministério que
quer limpar a Avenida Brasil, podem muito bem ser apanhados pelo delegado José
Gomes Sobrinho, no Maracanã, embora a multa seja de cem a quinhentos cruzeiros
velhos, mais barata que os ingressos para as gerais do estádio de Abelard
França...
Mas é facílimo evitar tudo
isso. Basta que as chamadas autoridades competentes tirem a carniça da Avenida
Brasil e de outros pontos da Cidade Maravilhosa...
Será a sorte dos urubus!...
(In Telhado de
Vidro. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 8 de junho de 1969)