domingo, 26 de dezembro de 2021

NATAL DAS CRIANÇAS

VEJO de minha varandinha de pensar os novos brinquedos, trazidos pelo Natal para as crianças vizinhas. Vejo o menino que realizou o sonho da bicicleta, aquele sonho que me perseguiu durante tantos anos – ah, o lado triste de se ser menino pobre! Vejo o par de patins, a bola de futebol, a roupa de astronauta, o carro de bombeiros. E vejo o menino triste na janela, por trás da grade de segurança, o menino-passarinho na gaiola do apartamento, sem carro de bombeiros, sem roupa de astronauta, sem bola de futebol, sem o par de patins. Muito menos, a bicicleta Apenas, a camisa do Flamengo, para se ver no espelho e sonhar Manicera, sonhar Fio, sonhar Carlinhos, Doval. Dionísio.

Cada pai dá ao filho aquilo que mais desejou. Comprei logo a bicicleta para o meu. Muitos lamentam:

– No meu tempo, não havia esse brinquedinho tão bom!

A maioria, então, volta à infância. Nos dias da folga que se seguem ao do Natal, há bancários a passear de bicicleta, comerciantes patinando, industriários batendo bola, jornalistas vestidos de astronautas (Por sinal, a roupa ideal para se exercer essa difícil profissão!...) e advogados puxando carro de bombeiros Mas a volta a infância é mais volta nos brinquedos caros. O homem faz o sacrifício e adquire o trenzinho elétrico. É completo: trilhos para todos os lados, estações, túneis, chaves para a mudança de linha, sinalizações, vagões dos mais diversos tipos. E ele diz ao menino:

– Papai Noel lhe trouxe este trem elétrico. Amanhã, papaizinho vai armar para você e mostrar como funciona.

A mãe reclama:

– Não temos batedeira, não temos liquidificador, e você gasta esse dinheirão num brinquedo que se quebra à toa. E ainda vai pagar energia à Light.

– Dou a meu filho o que não tive na infância.

Mentira. Dá a si próprio o que desejava na idade do filho. No dia seguinte: prova isso. O comboio toma conta da sala. Passa pelo túnel embaixo da ponta do tapete e vai parar na estação junto ao pé da mesinha de centro. Pega o desvio por trás da poltrona, atravessa o viaduto que, para ser armado, teve de levar para o chão quatro volumes do dicionário de Caldas Aulete, e vai fazer a curva no lado da televisão. O menino se senta e fica vendo a composição, de luz acesa, rodar na sala. O pai brinca. Mais tarde, ele também quer comandar o trenzinho, também quer brincar. E o pai:

– Não, porque você vai quebrar isso custou muito dinheiro.

TELHAS SOLTAS 

·      DRUMMOND – Meu melhor presente de Natal foi o cartão de meu poeta, de meu Carlos Drummond de Andrade. Sabeis que uso o meu para os preferidos. Digo meu Rubem Braga, meu Jorge Amado, minha Rachel de Queiroz – uso poucos, porém, sinceros meus. A propósito das Memórias do Café Nice (Subterrâneos da Música Popular o da Vida Boêmia do Rio de Janeiro), editadas pela Conquista, meu Drummond me chama de meu (E a modéstia que se dane!) e me envia o seguinte presente de Natal: “Passei esses últimos dias em companhia de Você e do alegre pessoal da música, no Café Nice. Uma delícia. As figuras humanas, o segredo das jogadas, o ambiente reconstituído por quem viveu realmente uma época importante na história de nossa música popular, tudo isso dá valor documental a seu livro, que agrada ainda pelo bom humor. Se não pude freqüentar os Tenentes do Diabo (e não foi por falta de vontade, pois desde criança o nome desse clube me invocava muito mais que os das outras “grandes sociedades”), pelo menos andei pelo Nice na boa companhia de Você. Outra coisa: que monte de apelidos ganhei para a minha coleção, no volume! O abraço afetuoso do seu (a) Carlos Drummond de Andrade”. 

ÁGUA-FURTADA 

O TELHADO recebeu, agradece e retribui votos de Boas Festas dos seguintes queridos amigos: Mauro Almeida (Rede Globo de Televisão, Canal 12, Belo Horizonte); Felinto Rodrigues Neto (diretor do Serviço Nacional de Teatro); atriz Maria Pompeu; Rodolpho Pongetti Editora Pongetti); jornalista Eli Halfoun (Canal 9); cantora Ivete Garcia; jornalista Cristóvão Gabinio (Instituto de Pesos e Medidas); Profª. Maria José Alvarez (Serviço de Cinema Educativo e Cultural); poeta Walmir Ayala; Raul e Teixeirinha (Restaurante Bucsky e Churrascaria Carreta); jornalista Roberto Ruiz e família; violonista Laurindo Almeida (Califórnia, EUA); Ministro e Sra. Eraldo Gueiros Leite; Hélio Néri e família; jornalista Luciano dos Anjos; jornalista Cely de Ornellas Rezende (Publinac); compositor Hélio Guimarães; Marlah e Mário Cysneiros (diretor das Casas Pernambucanas); pianista Sônia Maria Vieira; escritor Daniel Rocha (diretor da SBAT); baterista Luciano Perrone; Sra. e Sr. Armando Ribas Leitão; Colombo, Noca e Edir (Trio ABC da Portela); cantora Alzirinha Camargo; Capitão José Maria Pereira (QG do II Exército, S.  Paulo); economista José Maria Aragão (BID, Buenos Aires); Prof., Murilo Guedes (Scripta); ator Paulo Gracindo e família; Lourdes Amaral (Germaine Montell); Dr. Maurício B. Guimarães, médico, e família; Coronel Thales Faria Brenner e família; Osíris Borges de Medeiros e família; Hélio Arantes (Restaurante Ariston); pintora e futura arquiteta Mônica Azambuja; Sra. Marita Cais de Oliveira; Prof. Aloísio Guerra (Instituto do Pequeno Príncipe, Recife); Dr. Isaac Dobbin, dentista; locutor Haroldo de Andrade; jornalista Oberon Bastos (Presidente da ABRAJET); Coronel Eduardo Falcão (S Paulo); Lafuentes & Lemes; jornalista Braga Filho (Rádio Globo); editor Sebastião Hersen (Conquista); jornalista Marcial Dias Pequeno; atriz Dirce Belmont; cantora Eliana Pittman; Ismênia Dantas (Livraria José Olímpio); escritor Umberto Peregrino (Instituto Nacional do Livro); pintor Ely Braga; radialista Luthero Toledo e família (Brasília); compositor Francisco Correia da Silva e família; Adel Youssed (Delegação da Liga dos Estados Árabes no Brasil), o jornalista Sérgio Macedo. 

• Nestor de Holanda 

(In Telhado de Vidro. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 7 de janeiro de 1970)

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

45 DEZEMBROS

VI, nesta página, há dias, Cláudia Cardinale, Gina Lollobrigida, Brigitte Bardot e Sofia Loren, em fotos diversas. Todas me agradaram, de modo geral. Não sou muito exigente.

Conheço um pouco de italiano, embora com influência do calabrês de meu avô Gagliardi (Galhardo para os íntimos) e herdei qualquer coisa do francês de minha madrinha. Anne Marie Conrad. Apesar do carregado sotaque antonense, que me acompanha em qualquer idioma, pois até meu russo sai à nossa moda nordestina, creio que me entenderia com as italianas e com a francesa. Trago de andanças pelo mundo certa experiência de entrevistas desse gênero...

Claudia Cardinale, Gina Lollobrigida, Brigitte Bardot e Sophia Loren (1966)

Aos 45 dezembros, as fotos despertam terrível saudade de mim mesmo Não se assuste, leitor: ligo os fatos, porque, há trinta anos atrás, eu estaria recortando as poses para a parede de meu quarto. E viveria instantes como o da discussão com Lana Turner, um ano mais velha do que eu. Vi numa revista reportagem ofensiva à minha pessoa: “Lana Turner Não Conseguiu Ser Amada”. Irritei-me. Atirei a revista a um canto. Aproximei-me da inocente loura, com o dedo em riste. Ela fingiu indiferença, colada atrás da porta. Gritei-lhe na cara:

– Mentirosa! Que é que estou fazendo aqui?!

Ingrid Bergman ouviu. Yvonne de Carlo também não gostou. Lili Palmer ficou sentida. Susan Hayward, Anne Baxter e Michèle Morgan me pareceram profundamente magoadas. Embaraçado, saí, batendo a porta. E Marlene perguntou, assustada:

– Que aconteceu?

Daquela vez, porém, não foi a Dietrich: foi Marlene, a arrumadeira. Mesmo assim, respondi:

– O vento bateu a porta.

Imaginava o mesmo Otelo, o mesmo arlequim ou o mesmo pierrô, aos 45 anos de idade. O telefone tilintando:

– Alô. Iolando. É a Cardinale...

Marlene a dar recados:

– A Lollo quer oferecer-lhe um jantar de dois, em seu apartamento. Esteve aqui a Bardot, mas não pôde esperar. Disse que voltará, E a Loren se acha na sala, ansiosa.

– Obrigado, Marlene.

A arrumadeira, com jeito canalha:

– Três italianas e uma francesa, hein?! É francesa demais para você.

– Deixe comigo, Marlene. Sei defender-me. Não se esqueça de que nasci em Vitória de Santo Antão.

A 1º de dezembro de 1966, tudo tão diferente! Aqui estou com dona Kezia, o maestro Nestorzinho, a pianista Maria Marta. Os amigos telefonam. Alguns vêm beber de meu uísque. Telegramas. Fecho os olhos. Vejo o retrato de Lana Turner de cabeça para baixo depois de nossa briga. Corto o bolo. Sorrio de minha infância. E digo a todos:

– Eu não pensava, aos 15 anos, que também isto de bom me pudesse acontecer!

(In Telhado de Vidro. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 1º de dezembro de 1966)