quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

45 DEZEMBROS

VI, nesta página, há dias, Cláudia Cardinale, Gina Lollobrigida, Brigitte Bardot e Sofia Loren, em fotos diversas. Todas me agradaram, de modo geral. Não sou muito exigente.

Conheço um pouco de italiano, embora com influência do calabrês de meu avô Gagliardi (Galhardo para os íntimos) e herdei qualquer coisa do francês de minha madrinha. Anne Marie Conrad. Apesar do carregado sotaque antonense, que me acompanha em qualquer idioma, pois até meu russo sai à nossa moda nordestina, creio que me entenderia com as italianas e com a francesa. Trago de andanças pelo mundo certa experiência de entrevistas desse gênero...

Claudia Cardinale, Gina Lollobrigida, Brigitte Bardot e Sophia Loren (1966)

Aos 45 dezembros, as fotos despertam terrível saudade de mim mesmo Não se assuste, leitor: ligo os fatos, porque, há trinta anos atrás, eu estaria recortando as poses para a parede de meu quarto. E viveria instantes como o da discussão com Lana Turner, um ano mais velha do que eu. Vi numa revista reportagem ofensiva à minha pessoa: “Lana Turner Não Conseguiu Ser Amada”. Irritei-me. Atirei a revista a um canto. Aproximei-me da inocente loura, com o dedo em riste. Ela fingiu indiferença, colada atrás da porta. Gritei-lhe na cara:

– Mentirosa! Que é que estou fazendo aqui?!

Ingrid Bergman ouviu. Yvonne de Carlo também não gostou. Lili Palmer ficou sentida. Susan Hayward, Anne Baxter e Michèle Morgan me pareceram profundamente magoadas. Embaraçado, saí, batendo a porta. E Marlene perguntou, assustada:

– Que aconteceu?

Daquela vez, porém, não foi a Dietrich: foi Marlene, a arrumadeira. Mesmo assim, respondi:

– O vento bateu a porta.

Imaginava o mesmo Otelo, o mesmo arlequim ou o mesmo pierrô, aos 45 anos de idade. O telefone tilintando:

– Alô. Iolando. É a Cardinale...

Marlene a dar recados:

– A Lollo quer oferecer-lhe um jantar de dois, em seu apartamento. Esteve aqui a Bardot, mas não pôde esperar. Disse que voltará, E a Loren se acha na sala, ansiosa.

– Obrigado, Marlene.

A arrumadeira, com jeito canalha:

– Três italianas e uma francesa, hein?! É francesa demais para você.

– Deixe comigo, Marlene. Sei defender-me. Não se esqueça de que nasci em Vitória de Santo Antão.

A 1º de dezembro de 1966, tudo tão diferente! Aqui estou com dona Kezia, o maestro Nestorzinho, a pianista Maria Marta. Os amigos telefonam. Alguns vêm beber de meu uísque. Telegramas. Fecho os olhos. Vejo o retrato de Lana Turner de cabeça para baixo depois de nossa briga. Corto o bolo. Sorrio de minha infância. E digo a todos:

– Eu não pensava, aos 15 anos, que também isto de bom me pudesse acontecer!

(In Telhado de Vidro. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 1º de dezembro de 1966)

Nenhum comentário:

Postar um comentário