domingo, 31 de março de 2013

LUTO

ESTA NÃO é a opinião de mais ninguém. É de um homem só. Assina e se responsabiliza pelo que diz. Se alguém não gostar do que vai dito aqui, em palavras pensadas num momento de revolta, o problema é desse alguém. O autor tem nome e endereço. É vacinado, maior de idade, reservista de 1ª categoria e penalmente responsável.

Feito esse esclarecimento, escrevo meu protesto, sentindo-me de luto, porque, lamentavelmente, é apenas isso que eu posso fazer Tenho aqui meu canto de página para dizer as coisas. E procuro dizê-las da maneira mais honesta e mais sincera que posso.

Hoje, de luto, quero dizer que não é possível ser estudante no Brasil. Estudante é a classe mais infeliz, mais perseguida. Não sei se ela sofre tanto quanto o operário favelado que recebe salário-mínimo em lei de arrocho. Talvez não seja tão perseguida e massacrada quanto o camponês nordestino entregue ao mais legítimo regime de escravidão, ignorado pela legislação trabalhista, espoliado nos mais comezinhos direitos de qualquer figura do gênero humano. Mas é quase isso.

Decididamente, no Brasil, não há o direito de estudar. Partir para os livros, para as universidades, é partir para o martírio. Não existem vagas. Poucos os que conseguem terminar o curso médio, clássico ou científico, e ingressar na Universidade. O comum é a espera de dois ou três anos, principalmente se o jovem quer ser médico, quando o Brasil figura entre os países que mais se ressentem da falta de médicos. Já estamos em 1968 e excedentes de 1966 esperam vez nas escolas, apelando para o Judiciário, usando a lei contra o Governo para poder estudar e servir ao Brasil...

Quando escapa e consegue ser universitário, o estudante é massacrado pela polícia, por essa polícia de capachos e repleta de corruptos que surgem, todos os dias, no noticiário, envolvidos nos mais deprimentes escândalos, como no caso do censor de Brasília, nomeado em 1964 para dirigir a cassetete a inteligência brasileira, mas que, na realidade, descobriu-se agora, não passava de um escroque.

Conclui-se, então, que bom, no Brasil, é ser banqueiro de bicho, porque nunca se viu um banqueiro de bicho preso, perseguido ou espancado. Bom é viver nas altas rodas das bajulações, em negociatas com as verbas do erário, porque ainda não se viu a polícia trucidar qualquer dos cavalheiros que jogaram com o dinheiro do País, locupletaram-se, exploraram o povo e ficaram ricos; pelo contrário, esses estão também no soçaite (E como gosto de chamar o “society” de “soçaite”!. . .) Bom é ser alcagüete e ganhar posição à custa do sacrifício dos denunciados. Bom é ser PM!

Desculpem não escrever mais. Estou de luto!

• Nestor de Holanda


(In Telhado de Vidro. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 31 de março de 1968)

Obs.: Texto escrito em 28 de março de 1968, no dia do assassinato do estudante Edson Luís no restaurante Calabouço.


Um comentário:

  1. Nestor de Holanda - grande brasileiro, escritor erudito. Foi chefe de Redação do extinto "Diário de Noticias". Aprendi muito sobre jornalismo com êle e o Dr. Prudente de Moaraes Netto, Nestor não pode ser esquecido. Foi de grande envergadura na sustentação de seus ideais. Um homem probo. Desprendido das riquezas transitórias desse Mundo! Saudades do Guy Machado.

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