Jamais li folhetins, ouvi novelas pelo
rádio ou as acompanhei pela televisão. Meu tempo é curto para isso. Mas não sou
contra as novelas. Tanto que, épocas passadas, as escrevi (Ah, estômago
necessitado, a quanto me levaste!)
Trabalhando em determinada agência de
propaganda, eu J. Rui começamos traduzindo a “Filha Adotiva”, para a Rádio
Nacional, por volta de 1946. Eram 350 capítulos, se me não falha a memória,
transmitidos, de segunda a sábado, em etapas de 15 minutos de duração. J. Rui
fazia uma temporada, e, depois, passava-me a coisa. Quando eu me cansava,
procedia da mesma forma. Com o tempo, perdemo-nos do original inglês. O enredo
ficou por nossa conta. Na hora do revezamento, Rui, para evitar que eu lesse
tudo o que andou fazendo com os personagens, contava o que fez com eles. Eu
prosseguia. E o resultado foi que a mocinha se casou duas vezes seguidas,
porque o parceiro se esquecera de dizer que havia providenciado o casamento...
Na velha Cruzeiro do Sul, escrevi novela para
Waldeck Magalhães, bom camarada que acabou covardemente assassinado por anormal
perverso. Waldeck já possuía o título da estória, quando me chamou: era
“Ventura Roubada”, escolhida pelo patrocinador.
– Por que esse nome? – perguntei ao
anunciante.
– Porque minha esposa inventou e acha que
dá excelente estória.
– Seja feita a vossa vontade, respondi
e... mandei brasa.
Os artistas ganhavam cachês, com exceção
do Waldeck, o galã, o único que era contratado pela D-2. Ivo Peçanha, diretor
da emissora, me disse:
– Temos verba mensal, para os cachês.
Quanto mais você economizar artistas, mais perceberá, porque o saldo será seu.
Ao fim do primeiro mês, tínhamos gastos
975 cruzeiros. Ivo confessou:
– A verba é de mil cruzeiros. Você não
economizou e vai ganhar apenas 25 cruzeiros.
Protestei:
– 25 cruzeiros por doze capítulos?
– Não posso fazer nada.
Jurei vingar-me da direção da emissora.
Meti os personagens num bote e fiz o bote afundar. Morreu todo mundo afogado...
Salvou-se, apenas, Zélia Guimarães, a
mocinha. E o primeiro capítulo do mês seguinte foi diálogo de dois, entre Zélia
e Waldeck, porque este, como não recebia cachê, deixou de embarcar na canoa que
afundou...
Waldeck protestou:
– Assim não é possível!
O segundo capítulo foi pior: ele sozinho.
Zélia, sua noiva, tinha viajado. Como Pedro Bloch criara, havia pouco, o
“Teatro Monovox”, na Rádio Ipanema, ora com Rodolfo Maier, ora com Amélia de
Oliveira (teatro do qual saíram suas peças de um só personagem, como “As Mãos
de Eurídice”, “Morre um Gato na China”, etc.), imitei-o num capítulo de
“Ventura Roubada”. E Waldeck tornou a reclamar:
– Temos de dar jeito nisso. Como vai ser o
próximo capítulo?
– Você não entra.
– De que forma, então, sairá?
– Somente o narrador e ruídos.
Assim prometi e assim fiz. A direção da
emissora, apavorada, aumentou a verba, para que eu usasse mais alguns
personagens. A novela, porém, chegou ao final apenas com Waldeck e Zélia, e –
pasmem, senhores! – foi muito elogiada, inclusive pela esposa do patrocinador,
autora do título...
Não sou contra as novelas. Elas voltaram a
obter êxito. São a mania em voga, oferecendo os maiores índices de assistência
da televisão. E foi sensação na cidade, saindo até nas manchetes, a informação
que uma conhecida me deu, outro dia, de manhã, e que muito me espantou:
E eu:
– Graças a Deus, minha senhora. Graças a Deus!...
(In Telhado de Vidro. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 25 de agosto de 1964)
[1] Raul (Hélio Souto) e Maria
(Rosamaria Murtinho) eram personagens principais da telenovela “A Moça Que Veio
de Longe”, produzida pela extinta TV Excelsior, às 19h00, no período de maio a
julho de 1964, escrita por Ivani Ribeiro e dirigida por Dionísio Azevedo,
baseada no original do argentino Abel Santa Cruz.
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Hélio Souto e Rosamaria Murtinho |