Um jornal do Rio publicou, não há muito, na manchete, a locução adverbial "à beça", com cê-cedilha,
como manda o figurino. O diretor foi à redação, reclamar do redator-chefe:
— O senhor viu a manchete?
— Vi.
— Quem é o responsável?
O redator-chefe
chamou o editor:
— O senhor viu?
— Vi.
— Quem é o responsável?
O editor
chamou o secretário:
— Viu?
— Vi.
— Quem é?
O secretário
chamou o chefe do "copy-desk":
— Viu?
— Vi.
— Quem?
O chefe do
"copy-desk" chamou um sofredor de sua seção:
— Quem?
O reescrevedor
chamou o repórter:
— Passei a notícia pelo telefone.
Assim, voltou, do reescrevedor para o chefe do
"copy-desk", deste para o secretário, para o editor, para o
redator-chefe e para o diretor, a informação de que ninguém na redação era responsável.
Em consequência, chamaram o chefe da re¬visão.
E o diretor foi severo:
— O senhor viu "beça", com
cê-cedilha, na manchete?
— Vi, sim, senhor. Vi em cima da hora. Se não
chego a tempo, saía com dois esses.. .
O diretor
perdeu o rebolado. Esperava tudo, menos aquela informação de que os dois esses
esta-riam errados. Mas não perdeu a dignidade de diretor:
— Espero que isso não se repita.
— Isso o quê?
— O senhor ser forçado a trocar letras em cima
da hora.
— Sim, senhor.
Afastou-se o diretor, pisando forte. O chefe da
revisão voltou ofendido e bradou, zangado, para os subalternos:
— Por causa de "bessa" com
"ss", o diretor me espinafrou à beça. Espero que isso não se repita.
(in A Ignorância ao Alcance de Todos; Editora Letras e Artes, Rio de Janeiro,
1ª edição em 1963, 2ª, 3ª, 4ª e 5ª em 1964 e 6ª edição em 1965.)
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