quarta-feira, 5 de outubro de 2016

À BEÇA

Um jornal do Rio publicou, não há muito, na manchete, a locução adverbial "à beça", com cê-cedilha, como manda o figurino. O diretor foi à redação, reclamar do redator-chefe:
—  O senhor viu a manchete?
—  Vi.
—  Quem é o responsável?
O redator-chefe chamou o editor:
—  O senhor viu?
—  Vi.
—  Quem é o responsável?
O editor chamou o secretário:
—  Viu?
—  Vi.
—  Quem é?
O secretário chamou o chefe do "copy-desk":
—  Viu?
—  Vi.
—  Quem?
O chefe do "copy-desk" chamou um sofredor de sua seção:
—  Quem?
O reescrevedor chamou o repórter:
—  Passei a notícia pelo telefone.
      Assim, voltou, do reescrevedor para o chefe do "copy-desk", deste para o secretário, para o editor, para o redator-chefe e para o diretor, a informação de que ninguém na redação era responsável. Em consequência, chamaram o chefe da re¬visão.   E o diretor foi severo:
—  O senhor viu "beça", com cê-cedilha, na manchete?
—  Vi, sim, senhor. Vi em cima da hora. Se não chego a tempo, saía com dois esses.. .
      O diretor perdeu o rebolado. Esperava tudo, menos aquela informação de que os dois esses esta-riam errados. Mas não perdeu a dignidade de diretor:
—  Espero que isso não se repita.
—  Isso o quê?
—  O senhor ser forçado a trocar letras em cima da hora.
—  Sim, senhor.
      Afastou-se o diretor, pisando forte. O chefe da revisão voltou ofendido e bradou, zangado, para os subalternos:
—  Por causa de "bessa" com "ss", o diretor me espinafrou à beça. Espero que isso não se repita.


(in A Ignorância ao Alcance de Todos; Editora Letras e Artes, Rio de Janeiro, 
1ª edição em 1963, 2ª, 3ª, 4ª e 5ª em 1964 e 6ª edição em 1965.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário