domingo, 1 de dezembro de 2019

AH! SAUDADE ENGRAÇADA


            A gente dava mais de cinco contos por um jogo de arreios. Mas não dava um tostão pelo cavalo. Porque cavalo a gente roubava.

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            A lua passava bem alto, por lá. Bem alto mesmo. Para que a gente não roubasse o cavalo de São Jorge.

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            Um dia, inauguraram a iluminação elétrica de cidade perto. Foi festança! O Governador compareceu. Houve programa solene. Banquete, discursos e desfile do Grupo Escolar.
            À noite, o Governador, debaixo de palmas, ligou a chave central da usina elétrica, para iluminar, pela primeira vez, a cidade.
            Foi desastre!
            As lâmpadas estavam piores do que os candeeiros de querosene. O motor, fraquíssimo!
            Imediatamente, o eletricista passou a examinar a coisa. Depois de muito tempo, descobriu o defeito. É que, quando o motor foi transportado para lá, passou por nós.
            E nós roubamos quatro cavalos do motor...

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            Tive um tio que não acreditava em lâmpada ou em avião. Quando liam, para ele, as notícias da Primeira Grande Guerra, cujos telegramas falavam de combates aéreos, meu tio batia com a bengala no chão, indignado, e protestava:
            – Nunca vi bicho mais mentiroso do que jornal! Um homem lá pode voar?!
            E quando Vitória de Santo Antão foi iluminada a eletricidade, ele subiu numa escada e soprou a lâmpada, para apagá-la. Não conseguindo, desceu, benzendo-se:
            – Isso é invento do capeta!

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            O chefe do vagão dos correios era outro tio meu. Passava a semana toda viajando, de Recife para São Caetano, de São Caetano para Recife. Seu dia de folga era em Vitória de Santo Antão, no meio do caminho. O mais viajado da família.
            Tinha, por isso, o apelido de “Almirante”.

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            Às 18 horas, chegava o trem da tarde. Fazia, em Vitória, o ponto-de-jantar. Demorava 20 minutos. Os passageiros corriam para o Hotel do Fortunato. Pagavam a refeição completa.      E o hotel servia a sopa bem quente...
            Quando os viajantes acabavam de esfriar a sopa, o trem apitava e eles saiam correndo, sem tempo para acabar de comer...
            Mas caixeiro-viajante, que sempre foi bicho sabido, já conhecia o sistema. E logo que entrava no hotel, pedia:
            – Manda o jantar. Não quero sopa...

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            O chefe da estação passou a vida toda a sonhar em, uma dia, vir a ser mágico profissional. Não conseguiu. Era bom chefe-de-estação.
            Como fracassou no ideal, não admitia que os mágicos se exibissem no Cine‑Teatro Diogo Braga. Conhecia todos os truques, ia lá e estragava os espetáculos.
            Certa ocasião, um mágico decidiu trancar‑se numa mala e mandar que o amarrassem, por fora, para, depois, escapar da mala fechada. O chefe da estação se ofereceu para ajudar.       No palco, arrancou o parafuso da saída falsa...
            Resultado: o mágico ficou preso mesmo...
            A segunda parte do espetáculo, porém, era de ventriloquia. E os bonecos disseram horrores do chefe-de-estação...
            Então, o chefe subiu, novamente, no palco, e deu um soco na cara do boneco...

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            Minha tia chegou à janela e viu, no prédio fronteiro, minha outra tia, solteirona. Elas se odiavam cordialmente. A de lá gritou, porque a de cá estava cheia de flores no cabelo:
            – Parece o jardim suspenso da Babilônia!
E a de cá respondeu:
            – Parece os últimos dias de Pompéia!

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            Ah! Saudade engraçada!...

(in Ah! Saudade Engraçada! - Prêmio Orlando Dantas do Diário de Notícias. Edição: Livraria São José, Rio de Janeiro, 1962)


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