domingo, 20 de novembro de 2011

MENDIGOS

O MAIS HONESTO pedinte que encontrei estava, uma noite, na Cinelândia. Ele se aproximou cambaleante de nosso grupo – eu, Jaime Costa, Frazão, Delorges Caminha, Silva Filho, André Villon, Fernando Costa, Armando Rosas, Arlindo Costa, Santos Garcia e outros – e pediu:

– Dai uma esmola a um pobre bêbedo, pelo amor de Deus!...

Outro, igualmente sincero, foi visto pelo Governador Eraldo Gueiros, recentemente, no interior de Pernambuco. Havia muitos anos que o mendigo posava de cego, nas feiras. Um dia, surgiu de aleijado. Perguntaram-lhe:

– Desistiu de ser cego, Zé?

– Desisti.

– Por quê?

– Porque me passavam muito dinheiro falso...

O comum dos que pedem na via pública, porém, é a insinceridade. Quando Joraci Camargo escreveu Deus lhe Pague, com o falso mendigo, filósofo e milionário, discutiram a realidade do tema. Entretanto, nada mais verossímil. Hoje, no Rio de Janeiro, a mendicância é comércio dos mais rendosos...

Ainda há dias, um motorista de praça me contou a história de uma dona que, todas as manhãs, vem pra cidade de táxi. Num quarto que alugou, veste o “uniforme de trabalho”. Pede esmola até a noite, e, depois, de tornar a meter o paisano, toma outro táxi, para regressar a casa. Ganha, em média, 100 cruzeiros por dia. Trabalhando cinco dias por semana (Porque ela faz “semana inglesa”...), fatura cerca de 2 mil cruzeiros por mês. Quase 12 salários mínimos...

Muitas alugam crianças e surgem, ante a caridade pública, caracterizadas de mãe infeliz. Há um mendigo na cidade, segundo me informaram, que mantém amante de luxo, em apartamento da Zona Sul, tal qual o personagem que Procópio criou, na famosa comédia de Joraci Camargo. E é fato corriqueiro a polícia descobrir que muitos têm conta no banco e são até proprietários de imóveis...

Por essas e outras, vi (e contei aqui) quando um pedinte, logo cedo, estendia o jornal velho num canto de calçada, perto do edifício do Ministério da Fazenda, para instalar-se. E um popular que passava:

– Está abrindo seu banquinho, hein?!...

Enfim, os fatos mostram que a situação está de tal maneira que não se pode confiar nos mendigos, porque, como o uísque, nunca se sabe quando são legítimos ou falsificados...

TELHA SOLTA

CAPITAL – Devo informar que não é qualquer um que pode habilitar-se à função de pedir. Além do indispensável pendor para o ofício, há necessidade capital, para estabelecer-se. Hoje, os mendigos negociam os bons pontos que valem fortunas. Talvez até o mendigo empregue maior capital do que o proprietário de casa da Loteria Esportiva.

ÁGUA-FURTADA

ESMOLER vem de esmoleiro, que é, a rigor, o frade que pede esmolas para o convento, ensina Antenor Nascentes. Para Francisco Adolfo Coelho, autor do Dicionário Manual Etimológico da Língua Portuguesa (1890), o vocábulo se forma de esmola e sufixo –er, de –ário. Para A. A. Cortesão, autor dos Subsídios Para Um Dicionário Completo da Língua Portuguesa (1900-1), o vocábulo sofre influência do francês aumonier, caridoso, caritativo. E manda confrontá-lo com chanceler, do francês chancelier. *ERA esmoler a pessoa encarregada de distribuir esmolas. No Brasil, o uso popular passou a chamar também o mendigo de esmoler... *SE DEREM com a palavra esmolna, não pensem que é erro de imprensa. Em português arcaico era esmolna mesmo. Esmola vem do grego eleemosyne, piedade, compaixão (neologismo cristão), pelo latim eleemosyna. Tanto que Gonçalves Viana, nas Apostilas aos Dicionários Portugueses (1906), dá a evolução do vocábulo: elesmona, elmosna, esmolna, esmonla... *ESMOLAR não é “pedir”; é “dar esmola”... *ESMOLENTO não é o mendigo nojento; é o caritativo, o esmoler... *ESMOLEIRA é a bolsa do mendigo... *E AFIRMA o francês Miguel Zamacois: “O mendigo é a sanguessuga da compaixão”...

(In Telhado de Vidro. Publicado no Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 12 de novembro de 1970)

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