domingo, 29 de abril de 2012

DR. AGOSTINHO

NÃO HÁ um antigo trabalhador de jornal – redator, repórter, revisor, gráfico – que não tenha ouvido falar em Agostinho da Cunha. Melhor dizendo: Dr. Agostinho, clínico geral, geral mesmo.

Era um médico pobre. Para estudar, foi revisor de jornal. Trabalhou aqui no DN. Viu de perto as dificuldades de vida de quem segue, honestamente, esta profissão de escrever, revisar, compor, paginar, sofrer. Acho que, apesar dos pesares, Agostinho – quero dizer: Dr. Agostinho – ficou agradecido ao jornal por ter conseguido ser doutor. E prometeu a si mesmo (acho que prometeu) socorrer, sempre que possível, e de graça, os que trabalham em jornal.

Dai seu prestígio em todas as redações, em todas as oficinas. Qualquer um de nós tinha o direito de ir a seu consultório, na Rua da Assembléia, levar mulher e filhos, mãe velha ou pai esclerosado. Não esperava. Passava à frente de outros clientes. E, além de não pagar as consultas, recebia amostras grátis.

Muitas vezes, no fim de ano, fui procurado por um linotipista, um paginador, um gráfico qualquer, para assinar a lista do presente que seria dado, pelo Natal, ao Dr. Agostinho. Era tudo o que ele recebia em troca da dedicação à classe.

Em todas as oficinas, havia sempre um pequenino anúncio do consultório do Dr. Agostinho Cunha. Ele jamais pediu publicidade a alguém, ou pensou nisso quando passou a socorrer nossa gente sempre carecida Mas os gráficos decidiram compor o anúncio. Quando o secretário era do meu tipo, permitia sempre que o pequenino anúncio completasse uma paginação qualquer. E não sei dizer o número de ocasiões em que, na oficina, à hora de fechar página, observei:

– Oh, diabo, o diagramador se enganou. Há um buraco aqui.

– Quer que entrelinhe?

– Não, porque fica feio – gritava eu para o paginador. Veja se cabe aí um “Agostinho”.

Era uma festa! O anúncio – claro – ia caber de qualquer jeito. Representava ele a única forma de o pessoal da oficina demonstrar, publicamente, sua gratidão a Dr. Agostinho.

Quando o secretário era daqueles capazes de tirar mamadeira da boca de criança, os gráficos não discutiam: cotizavam-se, iam ao departamento comerciai e pagavam a publicação do “Agostinho”.

Por tudo isso não há um antigo trabalhador de jornal que não tenha ficado a dever ao Dr. Agostinho um benefício qualquer. Ora, o filho livrou-se da coqueluche; ora, a filha se curou das cataporas; ora, o pai com reumatismo, a mãe com erisipela E todos têm sempre uma história para contar:

– Meu filho teve convulsão. Telefonei para o Dr. Agostinho e ele largou os clientes esperando no consultório e velo na mesma hora. Salvou meu filho. E nem ao menos me deixou pagar o táxi.

Outro:

– Quando o fígado me atacou, Dr Agostinho foi lá em casa, todos os dias, durante um mês. Só deixou de aparecer, depois que fiquei bom. Gastou um dinheirão, para me curar.

De minha parte, não tive a ventura de conhecer, pessoalmente, Dr. Agostinho da Cunha. Somente seu nome estava nos meus ouvidos. Por todas as oficinas e por todas as redações me falavam a seu respeito. Em qualquer estante de ficada havia um anúncio seu, em quadro amarrado, pronto para ser publicado a qualquer momento, com ou sem autorização do departamento comercial. Chamávamos o anúncio de “Agostinho”. Tinha grande utilidade: servia para fechar página, sem que houvesse necessidade de o paginador entrelinhar a matéria.

Não tive a ventura de conhecer, pessoalmente, Dr. Agostinho da Cunha, mas estou solidário com a dor de meus colegas, sobretudo dos gráficos, os que mais precisavam de sua proteção.

E que vi muitos deles, em lágrimas, distribuir os anúncios das estantes de ficadas, porque os “Agostinhos” não tem mais serventia.

ÁGUA-FURTADA

HOMERO Senna é dos bons escritores deste Brasil cheio deles, e, não raro, maus Mas é desses talentos que só comparecem quando são chamados, porque, em caso contrário, escondem-se, ensimesmam-se, entregam-se a um mundo pessoal e intransferível como convite de baile. Uma vez chamados, entretanto, mostram o que valem e nada ficam a dever a muitos dos que merecem, de fato, respeito e admiração. Recomendo, por isso, o livro que Homero Senna acaba de editar pela José Olímpio e que foi a razão de ninguém me encontrar no último fim-de-semana, apesar de o sol convidar para a praia. Fiquei em minha varandinha de pensar, a sombra, na espreguiçadeira cor de jerimum, agarrado a “Gilberto Amado e o Brasil”, cujo prefácio é de Odylo Costa, filho. Como se não bastasse minha admiração por esse gigante que é o personagem nascido na Rua do Rosário, em Estância, Sergipe, a 7 de mato de 1887, as vésperas da penúltima partida do Imperador para a Europa, encontraria eu motivos para não ir à praia em Homero Senna. E não perdi a praia; acho que lucrei mais. *E FAÇO aqui um agradecimento aos telhadistas amigos, pelo fato de este simples Iolando, filho legítimo de Vitória de Santo Antão, sobrinho do Xandu, do Cazuza e do Chico, vir figurando entre os autores mais lidos nas bibliotecas do Instituto Nacional do Livro. No último boletim, o nº. 11, o movimento acusou o Iolando em segundo lugar. Apesar de estar sem livros à venda no momento, pois os dois volumes de “Telhado de Vidro”, editados pela BRADIL, acham-se esgotados e vão sair, agora, em 2ª edição, atingindo o total de 40 mil exemplares, não resisto à imodéstia de fazer este agradecimento. E o faço, também, em nome dos colegas Callodi e Walt Disney, os dois outros mais lidos, no movimento de 1.020 volumes durante o mês de setembro.

(In Telhado de Vidro. Publicado no Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 30 de outubro de 1968)

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