sábado, 20 de junho de 2015

MANCHETE

        Um jornal do Rio publicou, não ha muito, na manchete, a locução adverbial "à beça", com cê-cedilha, como manda o figurino. O diretor foi à redação, reclamar do redator-chefe:
—        O senhor viu a manchete?
—        Vi.
—        Quem é o responsável?
O redator-chefe chamou o editor:
—        O senhor viu?
—        Vi.
—        Quem é o responsável?
O editor chamou o secretário:
—        Viu?
—        Vi.
—        Quem é?
O secretário chamou o chefe do "copy-desk":
—        Viu?
—        Vi.
—        Quem?
O chefe do "copy-desk" chamou um sofredor de sua seção:
—        Quem?
O reescrevedor chamou o repórter:
—        Passei a notícia pelo telefone.
Assim, voltou, do reescrevedor para o chefe do "copy-desk", deste para o secretário, para o editor, para o redator-chefe e para o diretor, a informação de que ninguém na redação era responsável. Em consequência, chamaram o chefe da revisão.   E o diretor foi severo:
—        O senhor viu "beça", com cê-cedilha, na manchete?
—        Vi, sim, senhor. Vi em cima da hora. Se não chego a tempo, saía com dois esses.. .
O diretor perdeu o rebolado. Esperava tudo, menos aquela informação de que os dois esses esta-riam errados. Mas não perdeu a dignidade de diretor:
—        Espero que isso não se repita.
—        Isso o quê?
—        O senhor ser forçado a trocar letras em cima da hora.
—        Sim, senhor.
Afastou-se o diretor, pisando forte. O chefe da revisão voltou ofendido e bradou, zangado, para os subalternos:
—        Por causa de "bessa" com "ss", o diretor me espinafrou à beça. Espero que isso não se repita.

(in A Ignorância ao Alcance de Todos
Editora Letras e Artes, 6.ª edição, Rio de Janeiro, 1965)

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