Mensageiro fardado inumou, aporta
de casa, o Luís Viana:
– O senhor deverá comparecer,
amanhã, às 14 horas, para depor no IPM da Caixa Econômica.
– Sim, senhor.
Sem saber a que atribuir a
intimação, pois jamais tivera qualquer espécie de negócio com aquela repartição,
Luís Viana ficou apavorado. Sua esposa, cardíaca, teve de recorrer às pílulas.
No dia seguinte, Luís Viana
chegou, à hora marcada, ao local indicado pelo mensageiro. Foi conduzido a uma
sala na qual já se encontravam outros cavalheiros. De quando em vez, a porta se
abria e novos senhores eram ali introduzidos. A sala já estava abarrotada.
Mesmo assim, alguns dos detidos se puseram a conversar:
– Conheço o senhor não sei de
onde.
– Meu nome é Luís Viana.
– O meu também.
Um terceiro:
– Que coincidência! Também me chamo Luís Viana...
O cavalheiro gordo, de óculos,
que se achava à janela, ouviu o próprio nome e atendeu:
– Os senhores me chamaram?
– Não. Por quê?
– Ouvi falarem em Luís Viana. Eu
sou Luís Viana.
– Nós também o somos. Um gaiato
gritou:
– Quem se chama Luís Viana, aqui
na sala? Todos responderam a um só tempo, levantando o braço direito:
– Eeeeuuu!!!...
Tinham o mesmo nome os que se
achavam à disposição do IPM da Caixa Econômica. Só não estava presente o filho
do Conselheiro Luís Viana, bacharel em Direito, ocupante da Cadeira 22 da
Academia Brasileira de Letras, biógrafo de Rui Barbosa e de Joaquim Nabuco,
nascido em Paris mas considerado baiano. Chefe da Casa Civil da Presidência da
República, este Luís Viana vivia muito ocupado, em Brasília...
Uns eram Luís com s; outros, com z. Uns, Viana com um n
só; outros, com nn. Apenas se
diferençava o louro, alto, que fumava cachimbo. Porque nascera em Paris, mas
não se dizia baiano. Chamava-se Louis Vianney...
De repente, um dos oficiais
encarregados de apurar irregularidades surgiu à porta e chamou:
– Luís Viana!
Todos atenderam:
– Preseeenteee!!!...
Já passava das 15 horas. Estavam
aflitos. Tinham pressa em ser atendidos, principalmente para saber que diabo de
idéia fora aquela de reunirem, numa sala, os Luís Viana encontrados pela
cidade. O oficial ordenou:
– Quem se chamar Luís Viana entre
em fila atrás de mim.
Obedeceram.
– Coluna por um, marche!
Marcharam.
Na sala contígua:
– Alto!
Pararam.
– Direita, volver!
Só um canhoto virou para a
esquerda, mas se corrigiu a tempo...
Souberam, então, de que se
tratava. Uma testemunha teria de identificar, entre os intimados, o Luís Viana
que andara envolvido com negócios na Caixa Econômica. E, para descobrir o
procurado, o encarregado do IPM mandou catar na lista telefônica todos os Luís
Viana da cidade – isto é: os que possuíam telefone...
A testemunha examinou um por um.
Não reconheceu, em qualquer deles, o implicado. Em conseqüência, os Luís Viana
inocentes foram dispensados. Saíram em grupo. Na rua, abraçaram-se, felizes:
– Prazer em conhecê-lo. Luís
Viana, às suas ordens.
– Também fico às suas ordens. Meu
nome é Luís Viana.
O gaiato teve uma idéia:
– Que tal formarmos o Clube dos
Luís Viana do Rio de Janeiro?
– Boa, aprovaram alguns.
O gordo, de óculos, foi,
entretanto, mais ponderado:
– Tirem isso da cabeça. Vão
chamar-nos de subversivos.
– É, concordaram.
Mesmo assim, o café da esquina da
Avenida 13 de Maio com o Tabuleiro da Baiana viveu, naquela tarde, instante
histórico: serviu, mais ou menos, vinte cafezinhos a vinte cidadãos chamados
Luís Viana.
A esta altura dos acontecimentos,
talvez até o próprio encarregado do IPM da Caixa Econômica queira saber como
foi que o fato chegou ao meu conhecimento. Mas é fácil de responder.
Quem me contou tudo com detalhes
foi o Luís Viana...
(Telhado de Vidro, volume I; Editora Bradil,
Rio de Janeiro, 1967)
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