quarta-feira, 1 de abril de 2015

E O AMARELO?

Lembro-me do curso primário, no Grupo Amauri de Medeiros, no Recife. Cantávamos o Hino Nacional, o da Bandeira, o da Independência e o de Pernambuco, antes, durante e depois das aulas. E a professora repetia sempre:
– O Brasil é um país muito rico.
Com freqüência, mostrava os símbolos do Pavilhão Nacional que José Bonifácio desenhara:
– O amarelo representa o ouro do Brasil.
Nas lições de História, ouvíamos fatos espantosos sobre a cobiça dos piratas franceses e dos hereges flamengos, que fizeram incursões violentas em nosso chão, todos de olho na fabulosa fortuna do Brasil. E, não raro, a mestra citava igrejas construídas em Portugal com o ouro levado daqui, e aludia à escravidão dos índios e dos negros.
Quando um estudante sai do primário, penetra no ginasial, e, apesar de passar por um mundo de matérias que não interessam, chega à Faculdade. Então, os professores começam a ensinar, precisamente, o contrário:
– O Brasil é um país subdesenvolvido.
Os noticiários confirmam isso, com o tempo. Os governos se sucedem, alguns emitindo a torto e a direito, muitos a realizar empréstimos no estrangeiro. Ministros viajam, todos os dias, à cata de investidores. Chegam esmolas da Aliança Para o Progresso. Imposições do Fundo Monetário Internacional. Adquirimos concessionárias estrangeiras, e, depois, as entregamos aos antigos donos, para que estes continuem a explorá-las, a nos explorar. Contratos garantem que empresas norte-americanas não sofrerão, jamais, prejuízos aqui, pois nosso ouro cobrirá quaisquer danos, pelo acordo firmado pelo Embaixador Juraci Magalhães, embora as empresas brasileiras possam pedir concordatas e ir à falência. Surgem os pregoeiros que divulgam a péssima qualidade da indústria nacional, para que a financiada por outros países comande nossa produção e nosso mercado interno. O Sr. Otávio Gouvêa de Bulhões, que considerou crime de lesa-pátria a Lei de Remessa de Lucros, foi contemplado com o cargo de Ministro da Fazenda. E quem protestar não receberá o justo valor de patriota; será chamado de comunista, de subversivo...
Gostaria, agora, de reencontrar a professora do Grupo Escolar Amauri de Medeiros. Seria divertido ver sua cara, quando lhe perguntasse:
– Professora, que quer dizer mesmo o amarelo da bandeira?...

(Telhado de Vidro, volume I; Editora Bradil, Rio de Janeiro, 1967)


Nenhum comentário:

Postar um comentário