segunda-feira, 28 de março de 2016

“GAÚCHO”

Não me lembro bem para que jornal trabalhava. Tinha saído, havia pouco, das calças curtas. Havia pouco, também, que deixara de ser aprendiz de suplente de revisor, com as seguidas promoções para suplente, revisor, e, então, repórter. “Diário da Manhã”? “Jornal Pequeno”? “A Cidade”? Lembro-me, não.
Um navio, no cais, conduzia de volta à Capital, o presidente da República. Era, na época, Getúlio Vargas. Deram-me a incumbência de ir a bordo, ouvir s. exa., ficar por perto, registrar os nomes de pessoas ilustres que se aproximassem do chefe da Nação, enfim, fazer a cobertura jornalística da passagem do presidente pelo Recife.
Fiz o que me mandaram. Sempre fui bem mandado.
Getúlio Vargas, no tombadilho, charuto, amigos, risos, pedidos, multidão no cais a saudá-lo. Eu, reporterzinho, por perto, de papel e lápis à mão, anotando tudo. De quando em vez, o espocar, o relâmpago e o fumaceiro do magnésio das antigas máquinas fotográficas.
A certa altura, o presidente divisou, lá em terra, no meio da multidão, com seu enorme chapéu, o Ascenso Ferreira, nosso querido poeta de Palmares. Devo informar não ser isto tarefa difícil. Ascenso é de muitas arrobas, volumosíssimo, figura de grande calado, desloca excesso de arráteis. Estando no meio da multidão, esta lhe bate pouco acima da cintura.
E Getúlio:
- Aquele não é o poeta?
- Sim, informaram. É o Ascenso.
- O autor do poema “Gaúcho”?
- Ele mesmo.
O presidente riu e determinou:
- Mandem chamá-lo até aqui.
Correram os mensageiros. Ascenso veio. Subiu as escadas de bordo. Cumprimentou o chefe do Governo. Aceitou o convite para sentar-se a seu lado. E Getúlio:
- Poeta, o senhor sabe de cor o seu poema “Gaúcho”?
- Sim, excelência.
- Pode declamá-lo?
Ascenso não se fez de rogado. E foi assim que ouvi, pela primeira vez, declamado pelo próprio autor, o poema “Gaúcho”:
“Riscando os cavalos!
Tinindo as esporas!
Través das cochilhas!
Saí de meus pagos em louca arrancada!
- Para quê?
- Pra nada!”
Ascenso Ferreira

(In Telhado de Vidro. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 14 de abril de 1964)

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