terça-feira, 22 de março de 2016

REVOLUÇÃO

Nos agitados dias de outubro de 1930, o sargento municiou os fuzis do Tiro de Guerra e entregou a seus comandados. João Olímpio abriu a loja e distribuiu uma peça de pano vermelho, para o pessoal patriota amarrar no pescoço, e aproveitar as tiras como enfeite no cano de cada arma. As espingardas de madeira, do ginásio, também foram distribuídas aos voluntários como tática militar – isto é: para fazer número e apavorar o inimigo. Mestre Amadeu, da Banda 15 de Novembro, emprestou dois pistons, o bombo, a caixa e o taró (pois é assim que chamamos o tarol), e foi montada a banda marcial.
Os guerreiros desfilaram sob os aplausos da população, pela Rua do Comércio, e, depois, o sargento pediu ao povo que se recolhesse e às lojas que cerrassem as portas, porque iria tomar a delegacia. Mas todo mundo quis ver a batalha e ninguém atendeu a sua intimação...
Foram ocupados os pontos estratégicos da cidade: a torre da Matriz, a estátua do Anjo, no Pátio dos Currais, o Alto do Galucho e o Trepa-Bode (passagem de pedestres sobre a estrada de ferro). O sargento agarrou um voluntário para levar seu ultimato ao delegado:
- A delegacia ou a vida.
O emissário amarrou lenço branco num cabo de vassoura e seguiu para o Barateiro, acompanhado por verdadeira multidão de curiosos que desejavam saber qual a reação da autoridade. Na delegacia, a sentinela-avançada viu o atirador com o lenço e avisou:
- Seu cabo, essa história de invadir o xadrez é boato. Um guerreiro do sargento vem aí com o lenço branco.
O cabo verificou a veracidade da informação, avisou o delegado, e, em poucos minutos, todo o destacamento correu em direção ao emissário, desarmado, a gritar vivas à revolução.
Então, Amadeu convocou a banda e houve novo desfile, dessa vez com os praças da Brigada também usando panos vermelhos, porque estes simbolizavam o movimento liberal.
Quando a parada chegou à estação, o comandante fez discurso, informando que não ia parar a luta, apesar da adesão dos irmãos “brigadeiros” (os soldados da Brigada). Mas, não havia propriamente, contra quem brigar. E, diante disso, alguém lembrou que a Prefeitura devia ser tomada.
Seguiu a tropa em formação de combate, para a Prefeitura, com o pessoal atrás, querendo ver a batalha. Cercando o prédio, novo ultimato. Bateram à porta, ninguém respondeu. O comando já ia determinar o arrombamento, quando o prefeito surgiu por trás dos guerreiros, com o lenço vermelho ao pescoço, saindo do meio da multidão e perguntando se os meninos não tinham mais o que fazer...
Houve certo mal-estar, não resta dúvida. Um exaltado ainda insistiu:
- É preciso limpar a Prefeitura.
Mas o chefe da Municipalidade rebateu à altura:
- Zé das Cebolas já limpou o prédio hoje. É ele quem faz a faxina. Ganha um cruzado por dia e pago do meu bolso, porque não há verba para no orçamento municipal.
De qualquer maneira, a alegria foi geral. A guerra estava ganha. O povo carregou os combatentes. No Campo da Bica, realizou-se festiva partida de futebol entre o pessoal do Tiro e o pessoal do ginásio. Ganhou o primeiro, por dois a um, com os tentos marcados pelo sargento. À tarde, Amadeu botou a banda para tocar valsas vienenses e brasileiras, assim como alguns tangos, e isso acabou em retreta na Praça do Leão Coroado. À noite, o Esporte Clube fez baile, até o dia seguinte, durante o qual as senhoras da sociedade entregaram uma medalha de Santa Terezinha do Menino Jesus ao sargento.
Era eu um menino que ia completar nove anos. Lembro-me, porém, de tudo. Foram horas gloriosas. E, nestes dias agitados, durante os quais tanto se falou em revolução, recordo-me daqueles instantes de emoção por mim presenciados, na Terra das Tabocas.
Porque, quando Juarez ganhou a briga no Recife, Vitória de Santo Antão já estava até mandando desamarrar os voluntários...


(In Telhado de Vidro. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 17 de abril de 1964)

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