Nos agitados dias de outubro
de 1930, o sargento municiou os fuzis do Tiro de Guerra e entregou a seus
comandados. João Olímpio abriu a loja e distribuiu uma peça de pano vermelho,
para o pessoal patriota amarrar no pescoço, e aproveitar as tiras como enfeite
no cano de cada arma. As espingardas de madeira, do ginásio, também foram
distribuídas aos voluntários como tática militar – isto é: para fazer número e
apavorar o inimigo. Mestre Amadeu, da Banda 15 de Novembro, emprestou dois
pistons, o bombo, a caixa e o taró (pois é assim que chamamos o tarol), e foi
montada a banda marcial.
Os guerreiros desfilaram sob
os aplausos da população, pela Rua do Comércio, e, depois, o sargento pediu ao
povo que se recolhesse e às lojas que cerrassem as portas, porque iria tomar a
delegacia. Mas todo mundo quis ver a batalha e ninguém atendeu a sua
intimação...
Foram ocupados os pontos
estratégicos da cidade: a torre da Matriz, a estátua do Anjo, no Pátio dos
Currais, o Alto do Galucho e o Trepa-Bode (passagem de pedestres sobre a
estrada de ferro). O sargento agarrou um voluntário para levar seu ultimato ao
delegado:
- A delegacia ou a vida.
O emissário amarrou lenço
branco num cabo de vassoura e seguiu para o Barateiro, acompanhado por
verdadeira multidão de curiosos que desejavam saber qual a reação da
autoridade. Na delegacia, a sentinela-avançada viu o atirador com o lenço e
avisou:
- Seu cabo, essa história de
invadir o xadrez é boato. Um guerreiro do sargento vem aí com o lenço branco.
O cabo verificou a veracidade
da informação, avisou o delegado, e, em poucos minutos, todo o destacamento
correu em direção ao emissário, desarmado, a gritar vivas à revolução.
Então, Amadeu convocou a banda
e houve novo desfile, dessa vez com os praças da Brigada também usando panos
vermelhos, porque estes simbolizavam o movimento liberal.
Quando a parada chegou à
estação, o comandante fez discurso, informando que não ia parar a luta, apesar
da adesão dos irmãos “brigadeiros” (os soldados da Brigada). Mas, não havia
propriamente, contra quem brigar. E, diante disso, alguém lembrou que a
Prefeitura devia ser tomada.
Seguiu a tropa em formação de
combate, para a Prefeitura, com o pessoal atrás, querendo ver a batalha.
Cercando o prédio, novo ultimato. Bateram à porta, ninguém respondeu. O comando
já ia determinar o arrombamento, quando o prefeito surgiu por trás dos
guerreiros, com o lenço vermelho ao pescoço, saindo do meio da multidão e
perguntando se os meninos não tinham mais o que fazer...
Houve certo mal-estar, não
resta dúvida. Um exaltado ainda insistiu:
- É preciso limpar a
Prefeitura.
Mas o chefe da Municipalidade
rebateu à altura:
- Zé das Cebolas já limpou o
prédio hoje. É ele quem faz a faxina. Ganha um cruzado por dia e pago do meu
bolso, porque não há verba para no orçamento municipal.
De qualquer maneira, a alegria
foi geral. A guerra estava ganha. O povo carregou os combatentes. No Campo da
Bica, realizou-se festiva partida de futebol entre o pessoal do Tiro e o
pessoal do ginásio. Ganhou o primeiro, por dois a um, com os tentos marcados
pelo sargento. À tarde, Amadeu botou a banda para tocar valsas vienenses e
brasileiras, assim como alguns tangos, e isso acabou em retreta na Praça do
Leão Coroado. À noite, o Esporte Clube fez baile, até o dia seguinte, durante o
qual as senhoras da sociedade entregaram uma medalha de Santa Terezinha do
Menino Jesus ao sargento.
Era eu um menino que ia
completar nove anos. Lembro-me, porém, de tudo. Foram horas gloriosas. E,
nestes dias agitados, durante os quais tanto se falou em revolução, recordo-me
daqueles instantes de emoção por mim presenciados, na Terra das Tabocas.
Porque, quando Juarez ganhou a
briga no Recife, Vitória de Santo Antão já estava até mandando desamarrar os
voluntários...
(In Telhado de
Vidro. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 17 de abril de 1964)
Nenhum comentário:
Postar um comentário