ENEIDA me diz que amigo é
aquele que avisa quando a gente está com mau hálito. De minha parte, embora
aceite essa definição, tenho outra: amigo é o que perdoa os defeitos da gente.
Quem não perdoa defeitos é inimigo...
Xandu, latinista primeiro e último
de Vitória de Santo Antão, dizia sempre:
– Amicus certus
in re incerta cérnitur.
Dizia e provava:
– “O amigo verdadeiro se
conhece na ocasião incerta.”
Amigo é o que vai consultar-se
com o outro, quando o outro é médico, e paga a consulta. É o que constitui o
advogado e paga os honorários. É o que apanha algum dinheiro emprestado e paga.
É o que vai à livraria, compra o livro da gente e traz (ou não traz) o volume,
pedindo:
– Pode me dar seu autógrafo?
Porque o médico vive das
consultas O advogado das causas. Quem faz livro talvez seja porque não saiba
dar consultas ou advogar; talvez seja porque não saiba fazer mais nada. Em conseqüência,
mantém-se graças aos livros. Em outras palavras: é o abnegado que tem a coragem
de viver de livros num país em que se ler tão pouco...
Mas nem todos os amigos
entendem isso. E o médico ao qual o sujeito que escreve paga consultas exige:
– Estou esperando que você me
dê o seu livro.
Também o advogado que cobra
honorários:
– Quando é que você vai me
oferecer seu último livro?
Há três maneiras bem usuais de
pedirem os volumes que escrevemos para viver. Uma delas é a pergunta:
– Onde está à venda seu livro?
Respondo sempre:
– Em qualquer açougue ou
padaria...
Outra:
– Estou louco para ler seu
último trabalho.
E a terceira:
– Se eu comprar seu livro,
você o autografa?
Nenhum dos que pedem se lembra
de que as editoras organizadas cumprem seu contrato com o autor. Pagam os
direitos autorais e lhe dão vinte volumes. O autor assina os exemplares que vão
para os críticos e noticiaristas, e, depois disso, qualquer outro que deseje
será abatido em sua conta. Imaginai, pois, este filho humilde de Vitória de
Santo Antão a distribuir qualquer edição inicial de cinco mil exemplares com os
amigos que perguntam:
– Onde está à venda seu livro?
Ou:
– Estou louco para ler seu último
trabalho.
– Se eu comprar seu livro,
você o autografa?
Terá de pagar três ou quatro
edições ao editor. E ainda deixará os verdadeiros amigos, aqueles que dizem
quando a gente está com mau hálito, aqueles que perdoam os defeitos da gente – e
ainda deixará os verdadeiros amigos sem encontrar os livros para comprar.
TELHAS-VÃS
·
POEMAS – Os amigos de Santos Morais devem
comprar seus Poemas do Hóspede. É o
poeta de A Nuvem de Fogo e Tempo e Espuma. O romancista de Menino João e Os Filhos do Asfalto. O contista de O Caçador de Borboleta. O teatrólogo de Rei Zumbi e A Terra Sangra.
O ensaísta de Dois Cientistas (Rocha Lima
e Gaspar Viana). Antônio Santos Morais, baiano de Casa Nova, é detentor de
vários prêmios: o de romance do Instituto Nacional do Livro, o Afonso Arinos da
Academia Brasileira de Letras e o de teatro também da Academia Insisto: seus
amigos devem comprar Poemas do Hóspede,
coletânea recém-saída pela Editora Luan.
·
CRÔNICAS – A Editora Sabiá acaba de lançar a 4ª
edição de A Borboleta Amarela e a 5ª
edição de Ai de ti, Copacabana!, dois
volumes de crônicas de Rubem Braga. Chegam-me os exemplares com o amabilíssimo
cartão do Braga: “Você já deve ter esses livros, por isso mando só autografados
e você poderá dar a alguém de presente de Natal”. Passou o Natal e não dei os
livros do Braga a ninguém. Não tiro de seus amigos o direito e a alegria de
comprá-los. Não digo que Rubem Braga é o nosso maior cronista, porque odeio
essa coisa de “o melhor” ou e “o maior”. Digo, todavia, sem medo de errar, que
qualquer cronista tem de rebolar muito para equiparar-se ao Braga. Logo,
comprar seus livros não é favor; é uma obrigação até dos que, porventura, não
sejam seus amigos... (E outra coisa, meu Braga: fui às livrarias, comprei
livros seus e os dei de presente, pelo Natal, porque, no Natal, não dou
gravatas de borboletas nem vidrinhos de perfume; dou bons livros!)
ÁGUA-FURTADA
POR FALAR em bons livros e na
editora Sabiá, Fernando Sabino, outro cronista que não deve ser classificado
como “o melhor” ou “o maior”, porque isso é propaganda de gasolina, lança a 5ª
edição da Medo em Nova Iorque – a Cidade
Vazia. Isso mostra que seus amigos compraram seus livros, no que fizeram muito
bem. E mostra que outros amigos devem fazer o mesmo antes que a 5ª se esgote e
tenham de esperar pela 6ª, o que acontecerá, fatalmente. E GABRIEL Garcia
Marquez, como sabeis, é o autor de Cem
Anos de Solidão, dos melhores romances saídos, nos últimos anos, em todo o
mundo. E, agora, a Sabiá lança a novela Ninguém
Escreve ao Coronel, do notável colombiano. Tradução de Virgínia Wey. Capa e
desenhos de Carybé.
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