sábado, 27 de abril de 2019

ATUALIZADO

O AMIGO sempre foi louco por cinema. Arrumou passagem. Conseguiu chegar a Hollywood, de onde jurava voltar mais famoso que marido de Elizabeth Taylor. Mas já se acha, o mesmo José da Silva, de regresso ao Rio:
– Fui motorista de praça em Los Angeles. Não aprendi cinema; em compensação, agora, sou bom no volante.
Para mostrar como estava atualizado, sem jamais perder o Brasil de vista, contou que sempre encontrava compatriotas e lia, todos os dias, jornais do país.
– Fiquei tanto tempo fora, mas estou, inteiramente, em dia.
Quando aludimos a Napoleão de Alencastro chamou de senador. Quando citamos a Cinelândia, falou ainda em Gaiola de Ouro. Confessou que sentia saudade de nosso carnaval e disse que, para o ano, vai brincar os quatro dias no “High Life”, para descontar as folias que perdeu. E afirmou que pensava em comprar boxe no Mercado da Praça Quinze, para negociar com frutas, porque foi assim que seu pai enriqueceu...
Sugeri que talvez uma barraca de arroz na feira fosse mais vantajosa. E ele:
– Sossega, leão.
Repetiu outros ditados de seu tempo, para mostrar como não se esquecera de coisa alguma, e, sobretudo, que se achava inteiramente em dia:
– Comigo, não, violão! ‘tás pensando que sou a Valdemar, para ficar na linha? Quero ir pra frente. Preciso de trabalho grau dez. Com a prática que paguei, vou mostrar o que é que a baiana tem.
Desconhecendo que não existe mais níquel:
– Quero me encher de níqueis.
Disse para quê:
– Para voltar a Hollywood e estudar cinema. Quando passar pela Galeria Cruzeiro, todo mundo vai olhar para mim. E – engraçado – sempre desejei que um filme em que eu trabalhasse fosse exibido no Eldorado, lá junto do Café Nice, porque era naquela esquina que eu fazia ponto. E vou conseguir isso.
E o amigo atualizado, lembrando tudo o que é diplomata que fica anos seguidos fora do Brasil, e, quando volta, quer sempre mostrar que não perdeu nossos costumes de vista, contou a última anedota: aquela do papagaio que ia namorar no galinheiro, pisou num fio elétrico, tomou choque e comentou: “– Ué! Namoro antigo e, hoje, estou nervoso!...”

(In Telhado de Vidro. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 28 de novembro de 1962)

Galeria Cruzeiro (Av. Rio Branco, Rio de Janeiro, anos 40)


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