terça-feira, 23 de novembro de 2021

AS ELEIÇÕES DA ACADEMIA

Sem favor algum, Adonias Filho é dos bons escritores brasileiros. Se o elegesse normalmente, a Academia Brasileira de Letras estaria recebendo literato dos mais legítimos, dono de bagagem, não volumosa, mais fartamente louvada pela crítica. Não merecia Adonias Filho, por conseguinte, o achincalhe acadêmico de haver sido rejeitado quando não tinha posição política, e, agora, porque é diretor da Agência Nacional e da Biblioteca Nacional, e porque tem influência nas hostes governamentais, ser eleito em detrimento da própria obra.

A bem da verdade, ressalve-se o procedimento do romancista. Ele não teve a menor culpa em sua espantosa eleição. Não pensou em vencer a admirável estrutura moral e intelectual de Antenor Nascentes, com chincanas e coações. Pelo contrário, fui até informado, em palestra fraternal, pois lhe tenho estima e admiração, de que pensou em desistir, em sinal de respeito ao mestre Antenor Nascentes, mas seus bajuladores (não são amigos) não deixaram. Entre eles, aquele tristemente célebre que, ao prestar concurso para catedrático de literatura do Pedro II, conseguiu de um ex-governo todas as ajudas possíveis, e, mesmo assim, ficou em segundo lugar, tendo de ir lecionar no internato, contra a vontade, porque o primeiro colocado escolheu o externato...

Portanto, Adonias Filho foi mais humilhado, pela vitória que obteve, do que o mestre Antenor Nascentes, pela derrota. Merecia eleger-se com a própria obra, e, não pela situação política. E, se obteve alguns votos dignos, de três ou quatro que realmente leram os seus livros e o admiram, como Jorge Amado, ganhou de modo repulsivo o apoio viscoso e nauseante dos que lhe vão pedir favores e proteções, ou dos que já lhe devem obrigações...

Votaram no mestre Antenor Nascentes os seguintes acadêmicos: Álvaro Lins, Afonso Arinos de Melo Franco e Múcio Leão, por carta e, diretamente, Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira, Austregésilo de Ataíde (presidente), Manuel Bandeira, Silva Melo e Barbosa Lima Sobrinho. Doze outros prometeram, festejaram o mestre, empenharam a palavra e, na hora, não resistiram ao clima de subserviência espontânea da maioria...

São, ao que me parece, oito acadêmicos os que têm mais de oitenta anos, inclusive Viriato Correia, o pequenininho que conheceu o Cavalo de Tróia quando ainda era potro. Alguns, pela idade, sofrendo de esclerose cerebral, votam sem noção do que estão fazendo. Um deles compareceu à sessão que elegeu Marques Rebelo, conversou e saiu, sem se lembrar das eleições...

Este mesmo, na quinta-feira passada, foi para São Paulo e, na sexta, veio para votar...

Um outro deu, por carta, o voto a Antenor Nascentes, fazendo-lhe os maiores elogios. No dia, esqueceu-se. Compareceu. Votou e saiu dizendo:

- A Academia tem obrigação de eleger Adonias Filho. Ele é professor emérito do Colégio Pedro II, é mestre de grande cultura e autor do dicionário da própria Academia. Vim aqui, tão-só, para votar nele.

Quando lhe disseram que havia trocado o nome de seu candidato, saiu a correr e foi ao presidente, para mudar o voto, mas já era tarde...

Essa instituição quer ser o estado-maior da cultura e quer ser dona do idioma, tendo neste último caso, apenas, um filólogo sentado em suas cadeiras: o prof. Aurélio Buarque de Hollanda.

A Academia que elegeu Getúlio Vargas, porque presidente da República, que fala em eleger o marechal Castelo Branco pelo mesmo motivo, já convidou também João Goulart (eis uma revelação). E o ex-presidente, que não era chegado a livros e, que se saiba, jamais leu, ao menos um manual de pecuária, embora seja entusiasta do assunto, não foi imortal porque não quis. Convites não lhe faltaram...

O Pequeno Trianon devia, porém, respeitar mais a obra de um escritor moço como Adonias Filho. Se a maioria dos acadêmicos o conhecesse, faria isso. Tê-lo-ia escolhido quando não desfrutava de posição política. Sobretudo, porque não faria com que ele passasse pelo irremediável vexame de participar, ainda que com instrumento involuntário, da maior mácula da história acadêmica: a de derrotar o autor do dicionário da Academia.

E, uma vez que, não tendo competência para elaborar um dicionário (pois, quando precisou de fazê-lo, teve de chamar alguém de fora) repudiou a própria obra, resta saber se ainda há algum resquício de pejo na entidade, para devolver a Antenor Nascentes seu próprio dicionário...

Antenor Nascentes

(In Telhado de Vidro. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 19 de janeiro de 1965)


Nenhum comentário:

Postar um comentário