A bem da verdade, ressalve-se o
procedimento do romancista. Ele não teve a menor culpa em sua espantosa
eleição. Não pensou em vencer a admirável estrutura moral e intelectual de
Antenor Nascentes, com chincanas e coações. Pelo contrário, fui até informado,
em palestra fraternal, pois lhe tenho estima e admiração, de que pensou em
desistir, em sinal de respeito ao mestre Antenor Nascentes, mas seus
bajuladores (não são amigos) não deixaram. Entre eles, aquele tristemente
célebre que, ao prestar concurso para catedrático de literatura do Pedro II,
conseguiu de um ex-governo todas as ajudas possíveis, e, mesmo assim, ficou em
segundo lugar, tendo de ir lecionar no internato, contra a vontade, porque o
primeiro colocado escolheu o externato...
Portanto, Adonias Filho foi mais
humilhado, pela vitória que obteve, do que o mestre Antenor Nascentes, pela
derrota. Merecia eleger-se com a própria obra, e, não pela situação política.
E, se obteve alguns votos dignos, de três ou quatro que realmente leram os seus
livros e o admiram, como Jorge Amado, ganhou de modo repulsivo o apoio viscoso
e nauseante dos que lhe vão pedir favores e proteções, ou dos que já lhe devem
obrigações...
Votaram no mestre Antenor Nascentes os
seguintes acadêmicos: Álvaro Lins, Afonso Arinos de Melo Franco e Múcio Leão,
por carta e, diretamente, Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira, Austregésilo de
Ataíde (presidente), Manuel Bandeira, Silva Melo e Barbosa Lima Sobrinho. Doze
outros prometeram, festejaram o mestre, empenharam a palavra e, na hora, não
resistiram ao clima de subserviência espontânea da maioria...
São, ao que me parece, oito acadêmicos os
que têm mais de oitenta anos, inclusive Viriato Correia, o pequenininho que
conheceu o Cavalo de Tróia quando ainda era potro. Alguns, pela idade, sofrendo
de esclerose cerebral, votam sem noção do que estão fazendo. Um deles
compareceu à sessão que elegeu Marques Rebelo, conversou e saiu, sem se lembrar
das eleições...
Este mesmo, na quinta-feira passada, foi
para São Paulo e, na sexta, veio para votar...
Um outro deu, por carta, o voto a Antenor
Nascentes, fazendo-lhe os maiores elogios. No dia, esqueceu-se. Compareceu.
Votou e saiu dizendo:
- A Academia tem obrigação de eleger
Adonias Filho. Ele é professor emérito do Colégio Pedro II, é mestre de grande
cultura e autor do dicionário da própria Academia. Vim aqui, tão-só, para votar
nele.
Quando lhe disseram que havia trocado o
nome de seu candidato, saiu a correr e foi ao presidente, para mudar o voto,
mas já era tarde...
Essa instituição quer ser o estado-maior
da cultura e quer ser dona do idioma, tendo neste último caso, apenas, um
filólogo sentado em suas cadeiras: o prof. Aurélio Buarque de Hollanda.
A Academia que elegeu Getúlio Vargas,
porque presidente da República, que fala em eleger o marechal Castelo Branco
pelo mesmo motivo, já convidou também João Goulart (eis uma revelação). E o
ex-presidente, que não era chegado a livros e, que se saiba, jamais leu, ao
menos um manual de pecuária, embora seja entusiasta do assunto, não foi imortal
porque não quis. Convites não lhe faltaram...
O Pequeno Trianon devia, porém, respeitar
mais a obra de um escritor moço como Adonias Filho. Se a maioria dos acadêmicos
o conhecesse, faria isso. Tê-lo-ia escolhido quando não desfrutava de posição
política. Sobretudo, porque não faria com que ele passasse pelo irremediável
vexame de participar, ainda que com instrumento involuntário, da maior mácula da
história acadêmica: a de derrotar o autor do dicionário da Academia.
E, uma vez que, não tendo competência para
elaborar um dicionário (pois, quando precisou de fazê-lo, teve de chamar alguém
de fora) repudiou a própria obra, resta saber se ainda há algum resquício de
pejo na entidade, para devolver a Antenor Nascentes seu próprio dicionário...
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Antenor Nascentes |
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