domingo, 18 de dezembro de 2011

FESTINHA

         Viveu estranha sensação, faz poucos dias. Veio um vazio lá de dentro. Talvez certo medo de tudo se acabar. Era momento de alegria. Todos cantavam. Quatro violões. Vinte e poucos convidados na festinha. Menores de idade. Estudantes. Quase universitários. Músicas de Chico Buarque, de Tom, Edu Lobo, Baden. O aniversariante, seu filho, é aluno de Guerra Peixe, de harmonia, e de Jodacyl Damasceno, de violão. Nasceu músico. Pretende fazer Sociologia, mas é, sobretudo, músico. O avô paterno tocava qualquer instrumento. A avó era formada em piano e bandolim. Ele, o pai, andou fazendo seus sambinhas e já soube o lá menor no pinho das serenatas de Olinda. Pelo lado materno, muita tendência para a música, também. As tias, violinistas. A mãe tem ótimo ouvido e se defende no piano e no violão. Sete notas nas veias. Fez dezenove anos, portanto, com muita melodia no salão. Muito canto alegre de jovens de sua idade. E tudo até meia-noite, porque estamos na época das provas.
         Foi quando houve a estranha sensação. O vazio lá de dentro. Talvez certo medo de tudo se acabar. Porque sempre foi o mais moço, desde os primeiros tempos. O mais moço do time, o mais moço das salas de aula, o caçula das rodas boêmias. Durante a Guerra, quando convocado, saiu sargento em poucos meses. No Regimento, era o mais novo em idade e em tempo de serviço. No dia em que houve conflito em Bangu, o oficial-de-dia mandou que ele comandasse a patrulha de repressão, para agir de acordo com a necessidade. E o sargento-adjunto advertiu:
        – Seu tenente, ele é o mais moço. Como tal, acho arriscado que saia para serviço externo dessa natureza.
         Mas o tenente era cabeçudo. Insistiu. E o rapaz, na idade que seu filho tem hoje, foi trocar tiros com os gaúchos desordeiros, agarrados nas fronteiras para acabar com a Alemanha. Na verdade, modéstia à parte, saiu-se como um veterano. Mas era o mais moço. Era sempre o mais moço.
         O homem comum não observa todos os dias o significado de arrancar uma folhinha do calendário. Os dias caem. É o tempo que vai passando. É a vida que se vai. Há pouco, no trânsito maluco do Rio, um jovem ao volante do fusca tentou ultrapassagem pela direita, erradamente, porque, neste Rio de trânsito maluco,  ninguém respeita ninguém – muito menos a lei – e os profissionais são os piores, como é sabido. O ex-sargento mais novo avançou no seu direito. E o outro reclamou:
         – Assim, não, titio.
         O titio doeu nos seus ouvidos. Era sinal dos tempos. Respondeu com um xingamento qualquer, mas se sentiu muito mais xingado. Foi chamado de titio como poderia ter sido chamado de papai, ou de vovô, porque os nomes mais ternos também podem ser usados como ofensa.
         Já não era o mais moço...
         Veio a festinha. Vinte e poucos convidados, todos menores de idade. E a estranha sensação. O vazio lá de dentro. Talvez certo medo de tudo se acabar. Porque, pela primeira vez, foi o mais velho, em qualquer situação.
         Sentou-se na cadeira-do-papai, esticou as pernas e fingiu que estava rindo, até meia-noite, quando a festinha terminou, porque estamos em época de provas e ninguém deve dormir tarde. Nem os mais velhos.

Nestor de Holanda, pai e filho (1968).

ÁGUA-FURTADA

TELHADISTAS amigos pedem sempre que esta coluna indique alguns livros, para que possam escolher leituras. Não é fácil a incumbência. Maior ainda a responsabilidade. Mas procuro atender aos leitores na medida do possível dando conta de minhas mais recentes leituras. Por exemplo: gostei de Belém, de Correa Pinto. São imagens e evocações da encantadora Capital da Amazônia. Mesmo as pessoas que não conhecem aquela cidade encontram instantes agradáveis no livro de Correa Pinto.

* – FLORISVAL Lúcio Pereira (Roberto) publicou pela Pongetti o trabalho A Juventude Sabe o Que Quer... e Nós? É curioso estudo sobre problemas atuais da adolescência. Leitura que vale a pena.
  * – HENRY MILLER é sempre necessário recomendar. Miller de Sexus, Plexus, Nexus, O Tempo dos Assassinos e Sexo em Clichy. Saiu agora, pela Record, em tradução de Carlos Lage, Pesadelo Refrigerado.
  * – E NÃO PODERIA deixar de recomendar aos telhadistas amigos as traduções que Onestaldo de Pennafort fez de Otelo e de Romeu e Julieta. São as melhores versões, para o português, de obras de Shakespeare.

(Publicado no Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 05 de dezembro de 1968)

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