O assunto foge ao pequeno alcance de meus conhecimentos. Tenho cá
comigo, todavia, uma dúvida: será conveniente teatro infantil representado por
crianças?
Deixo a questão aos pedagogos.
Assisti, em alguns países mais desenvolvidos, no assunto educação,
que o nosso, a alguns espetáculos para crianças. Os atores eram adultos.
Um professor me disse:
- O teatro de crianças cria nas espectadoras certa inveja, a qual
pode transformar-se numa espécie de sentimento de inferioridade. Ao mesmo tempo
em que a menina assistente gosta da beleza e da bondade da que interpretou,
digamos, a Branca de Neve, pode julgar que não é tão boa nem tão bela quanto a
outra...
Ainda perguntei:
- Não haveria a possibilidade da espectadora aceitar o exemplo, e,
recebendo a lição da peça, procurar ser tão boa e tão bela quanto a outra?
- Dificilmente, esclareceu o professor. A prática tem demonstrado
o contrário.
Não sei até que ponto isso é real. O assunto, já disse, foge ao
pequeno alcance de meus conhecimentos. Por isso, a dúvida permanece. Temos
educadores, pedagogos ilustres, que poderão dar a última palavra sobre essa
questão...
De qualquer maneira, assisti, com entusiasmo, ao filme “O Parque”,
realizado, por iniciativa própria, pela culta (embora jovem) professora Maria
José Alvarez. E não posso negar: assisti a espetáculo extraordinário,
admirável, encantador.
A Profª deu-me a honra de uma exibição especial de seu filmezinho
de quinze minutos de duração. Carlos Alberto, o “China”, de 11 anos de idade,
faz o papel principal do menino pobre que se põe a trabalhar, para conseguir
dinheiro a fim de gozar as delícias de um parque de diversões. Engraxa sapatos,
vende garrafas vazias, ajunta ferro velho, negocia até seu canário cantador, e,
quando reúne o suficiente para pagar ao carrossel, à roda gigante etc., o
parque de diversões já encerrou a temporada e foi desarmado...
É comovente. O roteiro foi escrito pela menina Graça Rangel, de 15
anos, aluna do segundo ginasial. Carlos Egberto, tem 17 anos. Claro que a
orientação coube a adultos, porque há cortes excelentes; mesmo assim, foi um
filme de crianças para crianças. Estas atuaram, inclusive, no laboratório. E,
num caso como este, não creio que se aplique, de forma alguma, o ponto-de-vista
do mestre que me falou sobre a Branca de Neve.
“O Parque” é educativo. Exibe aspecto construtivo de grande
alcance, de beleza rara. O espectador mirim se compadece do menino pobre. Vive,
na luta do “China”, o drama comum, bem brasileiro, de milhares de meninos
pobres. Sente a indignidade social da divisão de castas. Aprende ida. Aprende
amor. Honradez. Importância do trabalho como fator de vitória. E foi pena a
vitória do “China”, pelo trabalho, não se tivesse concretizado...
Sem nenhum apoio, empregando verbas de sua própria economia, com
sacrifício, idealismo, dedicação, a Profª Maria José Alvarez realizou algo
admirável. É mestra na acepção do vocábulo.
E não duvido de que venha a sofrer perseguições movidas pela inveja das que não sabem fazer o mesmo...
(In Telhado de Vidro. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 22 de agosto de 1964)
Nenhum comentário:
Postar um comentário