sábado, 9 de outubro de 2021

OS ROUXINÓIS

       Se você estiver procurando apartamento para alugar, não mais pergunte se falta água, não tome conhecimento do preço do aluguel nem queira saber se a morada é clara ou escondida do sol. Pergunte, apenas:
        - Há alguma vizinha que seja soprano?
        Em caso negativo, pague qualquer aluguel. Deixe a água do Guandu faltar em abundância. Não se preocupe com a ausência de luz ou de ventilação. O sossego é tudo!
        Se acontecer resposta afirmativa, fuja. Para bem longe. Ponha em quarentena, uma área circunvizinha de, no mínimo, 50 mil metros quadrados, que é, pelos meus cálculos, o raio de alcance dos bramidos de soprano gordo. E vá ser inquilino em outra freguesia.
        Ouça a chamada voz da experiência: Se não seguir este conselho, você, amanhã,  estará no meu caso. Ouvirá, todas as manhãs, o enterro de uma melopéia. Depois que a “vaca leiteira” apitar o suficiente (isso em seus ouvidos) para chamar a freguesia; depois que o amolador também em seus ouvidos, soprar na gaita o alerta às tesouras cegas; depois que o garrafeiro abrir o grito para saber quem tem garrafas e jornais velhos - entrará em seu edifício uma pianista aposentada, transportando Franz Liszt ou Richard Wagner debaixo do sovado. Será a acompanhante do rouxinol vizinho. E suas oiças passarão a viver sob o massacre de gorjeios mal-assombrados, com perseguição da aposentada.
        Adeus bem-estar matinal!
        Cada trinado será provocação em dó sustenido maior, o maior de todos os dós.  Você sofrerá violentos agudos em 1.300 vibrações por segundo. A garganta dos sopranos, para perturbar ainda mais os vizinhos, tem precisão de aperfeiçoar-se, todas as manhãs, a fim de conseguir altura, timbre, duração e intensidade. Tudo isso é praticado, a um só tempo, em individuais monstruosos que, estouram em sua janela e entram pela casa, invadindo todos os cômodos.
        Esses animais volumosos são chamados de rouxinóis. Lá em Vitória de Santo Antão, meu porto de origem, rouxinol é corruíra, pássaro meigo, que canta e canta bonito. Aqui, como acabamos de descobrir, rouxinol é a senhora grossa na Linha do Equador, abarrotada de acidentes geográficos, que, ao sair de casa, põe na cabeça um chapeuzinho com uma pena indicando o norte magnético, a qual serve para se saber se a dona está de frente ou está de costas.
        Ainda outro dia, encontrei-me com a corruíra do edifício em que moro. Apertei o botão do elevador e ela veio dentro. Como se trata de um Otis, com capacidade máxima para dez passageiros, sob pena de multa, eu, que não queria pagar a multa por excesso de peso, perguntei se o elevador estava lotado. O rouxinol respondeu que não, balançando a cabeça e  a peninha de sua bússola de cocuruto. Mas estava. Eu vi que estava...
        Meu edifício tem 48 apartamentos, todos grandes. Juntando com os prédios que o circundam, são mais de dois mil apartamentos. Ninguém incomoda ninguém. Só um rouxinol, todas as manhãs, distribui intranqüilidades a domicílio, pela jurisdição...
        Por que o Governo não cede ilha da Guanabara, das mais isoladas, para servir de viveiro aos rouxinóis?!
        Depois de ler este conselho, até aqui, você pode considerar-se avisado. De hoje em diante, só cairá em terreno minado por sopranos, se quiser. Não poderá mais ser pegado à traição, como eu fui.
        Tanto que escrevo, neste momento, sob a tremenda tensão de ter de ouvir os mais formidáveis gargarejos que um homem pode sofrer. Basta dizer que minha vizinha faz individual, hoje, com a  “Granada” do Sr. Agostin Lara.
        E espero, a qualquer momento, que ela estoure, levando pelos ares dois mil apartamentos, o que destruirá grandes empreendimentos imobiliários....
 
   (In Ah! Saudade Engraçada!..., Livraria São José, 1962;
e também, in Telhado de Vidro, volume II, BRADIL, 1967)

 

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