Não sei se os meninos de hoje lêem essas estórias. Desconfio de que eles não sentem mais nada diante dos milagres obtidos pela varinha-de-condão das fadas louras e sorridentes que surgem nos momentos mais difíceis da vida da moça perseguida pela madrasta. Menino de hoje dificilmente faz a clássica pergunta do “Mamãe, como é que a gente nasce?”...
A televisão, que tanto deseduca juvenis e adultos, tem lá sua virtude de ensinar menino a falar mais cedo e de mostrar que o homem se prepara para ir à Lua. O pó de piripimpim, do grande Lobato, não deve causar o mesmo impacto num garoto que vê os astronautas em desfile nas telas de TV ou de cinema, nas páginas de revistas e de jornais. As Vinte Mil Léguas Submarinas nada mais significam para o pequeno que a todos os instantes assiste a filmes passados debaixo d’água, com aventuras de homens-rãs, de famosos mergulhadores que fazem porta-aviões explodir. E sinto até certo constrangimento de oferecer livros de Monteiro Lobato ou de Júlio Verne a qualquer afilhado...
Não há muito tempo, Alfredo Souto de Almeida, publicitário e homem de televisão, fez conferência sobre o assunto e informou que a primeira palavra dita pelo filhinho de um conhecido seu foi:
– Omo!...
Menino que começa a vida dizendo “Omo”[1], por força da televisão, vai dizer “helicóptero” (palavra que, no meu tempo, era difícil) alguns meses depois. Vai brincar de avião soltando bomba-atômica e de disco-voador trazendo marciano para tomar banho de mar em Cabo Frio. Depois de ver reportagens sobre a cura da raiva e sobre transplantes, e depois de tomar conhecimento de múmias, não se entusiasma com a bela adormecida do bosque. Pensa lá com seus botões: “– Ou os médicos não viram que ela está dormindo, ou ela é a filha de Cleópatra embalsamada”. Jamais acreditará no “príncipe encantado” fazendo proesas para despertar sua amada, numa época em que todo mundo luta judô e qualquer um daria bruta surra no valente. Demais, um pirralho mais esperto diz logo:
– Esse magnata é otário, às pampas. Não manja nerusca de neuribes, de mina. Se o bacanca desse as caras em Copa Beach veria boazudas muito mais legais e se esqueceria da que vive na lombra. Pra mim, essa tal de Bela Adormecida ‘tá de pissicata na fornalha ou de planta-do-diabo na cuca...
Em que pese qualquer exagero – se é que este existe – não tenho a menor dúvida de que a literatura infantil tem de ser reformulada. Pelo menos, atualizada. Não digo que a fada troque a vara-de-condão por uma lurdinha ou um cassetete tamanho-família, mas é bem possível que muito menino, a esta altura, prefira vê-la de biquíni, como a mamãe, ou, quando muito, de Saint-Tropez, como a vovó...
– “Ó têmpora! Ó mores!” – dizia sempre o Xandu, quando via a madrasta do próprio filho apenas de mangas curtas. E explicava: “– Bem disse Qüíqüero[2], a propósito de Catilina, quando profligou energicamente a cumplicidade moral que permitia se ousassem os maiores atentados.
E Xandu não conheceu a minissaia...
[1] N. do E. – Marca de sabão-em-pó.
[2] N. do E. – Segundo o autor, era a maneira de Xandu dizer “Cícero”.
• Nestor de Holanda
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